Principais Atualidades de 2016

Ciência: técnica pode tornar realidade a produção de “bebês sob medida”

Pontos-chave
Uma nova técnica de edição do DNA conhecida como CRISPR promete grandes avanços na biologia e na medicina, mas desperta polêmica pelo potencial de alterar genes humanos e produzir “bebês sob medida”.
Uma nova técnica de manipulação do genoma conhecida como CRISPR/Cas9 (pronuncia-se “crísper-cás-nove”) vem conquistando cientistas ao redor do planeta. Criada em 2012, hoje ela se popularizou e promete impulsionar descobertas nas áreas de biologia e medicina.
A expectativa é que no futuro o uso da CRISPR/Cas9 em pesquisas possa curar doenças genéticas alterando o DNA (conjunto de moléculas que carrega a informação genética de todos os seres vivos). Mas essa técnica abre caminho para outra possibilidade: realizar uma “edição” do genoma de maneira barata, fácil e precisa.
A CRISPR (sigla em inglês para “clustered regularly interspaced short palindromic repeats”; em português, repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas) é um mecanismo de defesa do corpo humano. Trata-se de uma parte do sistema imunológico bacteriano, que mantém partes de vírus perigosos ao redor para poder reconhecer e se defender dessas ameaças no futuro.
A segunda parte desse mecanismo de defesa é um conjunto de enzimas chamadas Cas, que podem cortar precisamente o DNA e eliminar vírus invasores. Existem diversas enzimas Cas, mas a mais conhecida é chamada Cas9. Ela vem da Streptococcus pyogenes, uma bactéria conhecida por causar infecção na garganta.

Como funciona o método
O método usa uma proteína (enzima chamada Cas9) guiada por uma molécula de RNA que corta as fitas de DNA em pontos específicos e ativa vias de reparo. É possível desativar, ativar ou inserir novos genes. Embora tenha sido descoberta em 2012, a técnica tornou-se mais popular nos últimos dois anos. Uma justificativa para isso é que ela permite que a modificação de genomas com uma precisão nunca antes atingida.
“É como um canivete suíço que corta o DNA em um local específico e pode ser usado para introduzir uma série de alterações no genoma de uma célula ou organismo”, diz a definição da técnica da bióloga Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), uma das pioneiras na aplicação do mecanismo.
Ao retirar partes defeituosas do genoma, pesquisadores estão conseguindo eliminar mutações em células de animais e plantas. Em janeiro deste ano, cientistas norte-americanos utilizaram a técnica para cortar a parte de um gene defeituoso em ratos com distrofia muscular de Duchanne, doença genética rara. O experimento permitiu que as células dos animais produzissem uma proteína essencial para os músculos. A pesquisa foi o primeiro caso de sucesso da CRISPR/Cas9 em mamíferos vivos.
Cientistas já estão encontrando novas formas de aplicações da técnica, como desenvolver terapias que ajudem na cura de doenças como câncer, leucemia e hemofilia. Algumas pesquisas testam limites éticos da ciência e reavivam os debates sobre experimentos com embriões humanos e mutações nos genes humanos.
Com a técnica, seria possível “forçar” organismos a repassarem certos traços genéticos hereditários, sejam naturais ou inseridos pelo método. O temor é que essa possibilidade abra precedentes para a criação de “bebês sob medida”.
Por exemplo, cientistas poderão editar genes para gerar bebês com características físicas específicas, como a cor dos olhos, do cabelo ou da pele. A possibilidade do “design” de bebês ainda não foi comprovada, mas novas pesquisas podem avançar nessa questão.
Em 2017, o Instituto Karolinska de Estocolmo, na Suécia, obteve aprovação para testar a técnica em embriões humanos. Eles esperam que, por meio da desativação de determinados genes, seja possível compreender melhor os primeiros estágios do processo de desenvolvimento humano. O objetivo é melhorar a eficácia dos tratamentos de fertilização.
O primeiro teste em humanos
No final de 2016, cientistas chineses já anunciaram testes de engenharia genética com embriões humanos. A equipe queria consertar um gene defeituoso, causador da talassemia beta. O resultado da edição não obteve sucesso --os genes modificados sofreram mutações aleatórias.
No estudo chinês, foram utilizados embriões não viáveis, que nunca poderiam gerar um bebê. Agora os cientistas do Instituto Karolinska estão usando zigotos sadios que estavam congelados em clínicas de fertilização, mas seriam descartados.
No Reino Unido, o uso da CRISPR/Cas9 foi aprovado recentemente para pesquisas em embriões humanos que buscam melhorar a qualidade das fertilizações in vitro e reduzir o número de abortos.
Os especialistas afirmam que a edição em linhagens germinativas (óvulos e espermatozoides) apresenta barreiras como o risco de edição imprecisa, dificuldade de prever efeitos danosos e dificuldade de remoção da modificação. Serão necessários inúmeros experimentos para conseguir a possibilidade da alteração de forma precisa e segura.
Outro temor da comunidade científica é que, em mãos erradas, a tecnologia que edita o DNA possa reavivar ideologias perigosas como a eugenia, que prega a “melhoria genética” das populações humanas. Durante a Segunda Guerra Mundial, o nazismo usou a eugenia para justificar o genocídio dos judeus e de minorias. O Estado buscou eliminar da sociedade alemã qualquer tipo de pessoa que não fosse ariana ou que apresentasse alguma deficiência mental ou física.
No entanto, o design de bebês ainda é realidade muito distante. Além da falta de pesquisas que asseguram a estabilidade do processo, o tema deve passar por uma forte regulação judicial. Atualmente, muitos países proíbem estudos com embriões humanos. No Brasil, a lei de biossegurança brasileira, de 2005, deixa claro ser proibida a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”.

Guerra na Síria: cessar-fogo tenta negociar fim do conflito após cerco em Aleppo e morte de embaixador russo

Pontos-chave
Aleppo, a segunda maior cidade síria, era controlada por rebeldes na guerra civil da Síria. A retomada da cidade é um importante avanço estratégico para o presidente sírio Bashar al-Assad.
As tropas do presidente cercaram Aleppo, confinando seus moradores. Casas foram invadidas e muitos civis foram mortos.
O cerco gerou uma crise humanitária e a ONU teme um massacre e a morte em massa de civis. A retirada de moradores foi negociada ao longo de dezembro.
No dia 19 de dezembro, logo na sequência da retirada em massa de civis de Aleppo, um policial matou a tiros o embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov. Antes de efetuar os disparos, o policial turco disse agir como vingança pela tragédia da cidade de Aleppo, que voltava às mãos de Assad com apoio bélico do governo russo.
Rússia e Turquia tentam costurar um acordo de cessar-fogo entre o governo sírio e os rebeldes. A Rússia apoia as tropas de Bashar al-Assad.
Após cinco anos de conflitos, a guerra civil na Síria teve mais um episódio marcante: a retirada de civis de Aleppo, a segunda maior cidade do país e que hoje está praticamente em ruínas devido a explosões, bombardeios, confrontos e embates civis. Nos próximos dias, é esperada a vitória de Bashar al-Assad em Aleppo.
Aleppo tornou-se um símbolo do conflito. Desde setembro de 2015 a cidade é disputada entre as forças sírias, apoiadas pela Rússia, e rebeldes opositores ao governo do presidente Bashar al-Assad.
A estratégia das forças do governo é fazer um cerco à cidade, com apoio aéreo russo. Desde 15 de novembro a ofensiva do regime avança de forma acelerada, visando o controle total dos bairros
Dentro do atual cenário, a retirada dos civis confinados era algo positivo, já que pontos da cidade controlados pelos rebeldes estavam cercados pelas forças militares, impedindo o acesso da população a suprimentos essenciais como água, comida e remédios.

Antes desse bloqueio e do cessar fogo para a retirada dos civis, o governo do presidente Bashar al-Assad colocou em prática o plano de retomada da cidade, sem no entanto, evitar atos bárbaros, considerados crime contra a humanidade. A ofensiva aconteceu entre 27 de novembro e 9 de dezembro.
Casas foram invadidas e moradores foram executados à queima-roupa. Há relatos de abusos sexuais por parte dos militares, boatos de que mulheres cometeram suicídio e mataram as próprias filhas para fugir da violência, além de bombardeios indiscriminados. O conselheiro da ONU para a Síria, Jan Egeland, falou em “massacre de civis desarmados, de homens jovens, de mulheres, de crianças, de funcionários de saúde”, que poderiam ter sido cometidos pelas forças do governo ou milícias que apoiam Assad.
A questão foi novamente parar na ONU para que uma retirada “pacífica” de civis fosse negociada. A retirada aconteceu a partir do dia 14 de dezembro, mas novos confrontos bélicos entre militares e manifestantes quebraram o cessar-fogo. Depois, no dia 18, dois ônibus que realizavam a retirada da população foram atacados, paralisando novamente o processo.
Houve uma fuga em massa. Mais de 20 mil pessoas foram retiradas dos redutos rebeldes de Aleppo e levadas para bairros controlados pelos opositores do governo. A retomada da cidade representa a maior vitória de Assad desde o início da guerra em 2011, que deixou mais de 310 mil mortos e provocou o deslocamento de metade da população do país.
No entanto, o conflito no país continua repercutindo no mundo. No dia 19 de dezembro, logo na sequência da retirada em massa de Aleppo, um policial matou a tiros o embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, em uma galeria de arte em Ancara. O crime foi cometido na frente de jornalistas, visitantes e câmeras que registravam o discurso do embaixador. Antes de efetuar os disparos, o policial turco disse agir como vingança pela tragédia da cidade de Aleppo, que voltava às mãos de Assad com apoio bélico do governo russo.
Para especialistas e representantes dos governos russo e turco, o incidente poderia colocar mais obstáculos na geopolítica da guerra da Síria. Os dois países estão de lados opostos no tabuleiro: a Rússia dá apoio incondicional a Assad, enquanto a Turquia defende uma reação mais controlada do governo sírio para evitar mais mortes e chegou a oferecer treinamento aos rebeldes.
Para a surpresa de muitos, os dois países se uniram para acordar um cessar-fogo entre o governo sírio e os rebeldes a partir da meia-noite do dia 30 de dezembro, a ser seguido por negociações de paz. O objetivo do acordo, segundo divulgaram os governos russo e turco, é conseguir uma solução em concordância com a resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU.
Aprovada por unanimidade em dezembro de 2015, a resolução 2254 deu à ONU um papel reforçado na promoção do diálogo entre os lados opostos e nas negociações de uma transição política, endossando um calendário para o cessar-fogo, para uma nova Constituição e para eleições.

O maior problema da guerra da Síria hoje é que não se trata apenas de rebeldes x forças do Exército sírio. Em cinco anos, o conflito se multiplicou e envolve centenas de grupos armados: forças do governo sírio, rebeldes, curdos, radicais islâmicos e potências estrangeiras. De um lado, Rússia e Irã apoiam o governo da Síria. De outro, os Estados Unidos e países europeus apoiam os rebeldes que buscam derrubar Assad. Talvez a única coisa em comum entre todos esses grupos seja a resistência ao Estado Islâmico.
Tudo isso é um grande obstáculo a ser vencido na hora da negociação de um amplo acordo de paz. Afinal, é preciso que todos os lados decidam pela paz, deixando seus interesses individuais em segundo plano. Resta saber se isso será possível ou se a sangrenta guerra na Síria ainda terá vida longa.

Anfíbios : Por que estão desaparecendo?

Pontos-chave

Os anfíbios estão morrendo a taxas alarmantes. Esses animais são muito sensíveis a alterações tanto do ambiente aquático como do solo e do ar.
A perda do habitat natural, doenças provocadas por fungos, as mudanças climáticas, espécies invasoras, o comércio ilegal de animais silvestres e a poluição do ar e da água.
Os anfíbios são animais especialmente sensíveis a alterações climáticas. Eles são animais ectotérmicos, ou seja, são incapazes de controlar fisiologicamente a temperatura corporal. Extremos de temperatura podem afetar o metabolismo desses animais.
O fungo Batrachochytrium dendrobatidis (Bd) é apontado como uma das principais causas do declínio das populações de anfíbios em diferentes regiões do mundo.
O Brasil possui a maior fauna de anuros do mundo (sapos, rãs e pererecas), com quase 900 espécies já identificadas.
Imagine uma noite de verão. O ar está úmido, você está perto de um rio e escuta o vibrante coaxar de sapos, que podem ser ouvidos de longas distâncias. Esse som tão comum está se tornando cada vez mais raro.
Biólogos temem que o planeta esteja passando por uma extinção em massa de animais. A defaunação – como é conhecida a diminuição acentuada da biodiversidade– avança a passos largos. Projeções estimam que o volume de vertebrados caia, até 2020, para um terço do nível de 1970.
Os anfíbios são o grupo de animais vertebrados mais ameaçado de extinção. Sapos, rãs, pererecas, salamandras, cobras-cegas e cecílias estão morrendo a taxas alarmantes. Um levantamento publicado em 2010 na revista Science revelou que mais de 40% das espécies de anfíbios estavam ameaçadas de extinção.

Em outubro deste ano, a morte de um sapo comoveu a comunidade científica. Batizado com o nome de Toughie, o animal faleceu no Jardim Botânico de Atlanta, nos Estados Unidos. Ele era oficialmente o único exemplar vivo da espécie sapo-franja. Toughie foi capturado em 2005 nas florestas do Panamá, em um local que havia mortandade em massa de sapos. 
Estudos estimam que desde a década de 1970, mais de 200 espécies de sapos foram extintas. Toughie foi um dos vários animais em extinção, cuja imagem foi projetada na Basílica de São Pedro durante as negociações climáticas em Paris, no ano passado.
Os anfíbios sempre foram animais resistentes, capazes de se adaptar a grandes transformações. Eles existem há mais de 350 milhões de anos e foram os primeiros animais a apresentar musculatura para se sustentar fora da água e “caminhar” na Terra. Sobreviveram a diversas glaciações e à catástrofe que exterminou os dinossauros. Diante de tamanha facilidade de adaptação, por que hoje eles estão tão vulneráveis?
Essas alterações climáticas históricas ocorreram em períodos longos. Apesar de muitas espécies se extinguirem, muitas outras foram capazes de migrar para ambientes favoráveis e assim sobreviver. O problema é que a pressão sob o ambiente hoje está sendo feita em uma velocidade maior que a de evolução ou adaptação de muitas espécies.
A palavra em anfíbio vem do latim (anfi = duplo e bios = vida) e os define como animais que passam parte do ciclo de vida em ambiente aquático e parte em ambiente terrestre. Os anfíbios precisam da umidade e são animais especialmente sensíveis a alterações climáticas, tanto do ambiente aquático como o do solo e do ar.
Eles são animais ectotérmicos, ou seja, são incapazes de controlar fisiologicamente a temperatura corporal. Extremos de temperatura afetam diretamente o metabolismo desses animais.
O fenômeno do aquecimento global aumenta a temperatura dos ambientes frescos e úmidos onde vivem os anfíbios e podem tornar esses locais mais desertos e inadequados para a sua sobrevivência. Mas não é só a temperatura. Os eventos climáticos mais extremos estão ficando mais comuns.
O desaparecimento do sapo-dourado da Costa Rica é atribuído a uma mudança do clima. Ele foi visto pela última vez em 1989 e desde então seu paradeiro é um mistério. A reprodução dessa espécie acontecia somente na temporada chuvosa e sob condições ideais. Em 1987, uma longa estiagem deixou o ar seco e causou uma redução drástica no número de anfíbios, o que pode ter sido fatal para sua sobrevivência e das novas gerações. Uma seca inesperada pode secar um depósito de água no solo e matar todos os ovos e larvas que ali viviam.
A poluição de águas e a chuva ácida (resultado da poluição do ar) também afetam diretamente os anfíbios. A pele deles é muito permeável. Quando eles entram em contato com a água poluída, podem absorver substâncias tóxicas fatais. 

Esse parece ser o caso dos sapos do Lago Titicaca, na América do Sul. Em outubro, 10 mil exemplares da espécie Telmatobius coleus foram encontrados mortos. A causa mais provável é a poluição gerada pelo despejo do esgoto de indústrias próximas.
O contato com espécies exóticas (que não são naturais do habitat) também altera o equilíbrio da cadeia alimentar. Os axolotes são um tipo de salamandra e vivem nos lagos próximos à Cidade do México. A poluição dos lagos e a introdução de espécies forasteiras como a carpa asiática e a tilápia africana (quem comem esses pequenos animais) estão acabando com os axolotes. Biólogos mexicanos calculam que sua extinção poderia chegar antes de 2020.
Mas espécies de anfíbios que estão desaparecendo também vivem em áreas isoladas e preservadas, onde não existem córregos sujos ou poluentes. O que estaria acontecendo?
Umas das principais causas da extinção em massa em florestas é o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, ou Bd, que pode ser considerado um verdadeiro exterminador de anuros (sapos, rãs e pererecas) e salamandras.
O Bd foi identificado em 1998 no Panamá e hoje está presente em todos os continentes. Esse fungo causa uma doença na pele e tem sido apontado como a causa da extinção de até 700 espécies de anfíbios nas últimas três décadas. Em uma floresta panamenha, pesquisadores identificaram que o fungo foi responsável pela morte de 30 espécies de anfíbios em apenas um ano.
Ao encontrar um anfíbio hospedeiro, o Bd se aloja na pele fina e úmida dele e pode alterar o equilíbrio de eletrólitos(íons) dos músculos, podendo dificultar a respiração e até levar a um colapso cardíaco. Após ser contaminado, um sapo doente dura apenas poucas semanas. O fungo pode dizimar um grupo completo. 
Outros parasitas também podem ser letais, como o fungo Batrachochytrium salamandrivorans ou Bsal, que está dizimando algumas populações de salamandras na Europa e os ranavírus, que atacam os girinos.
A globalização e o comércio internacional de animais agrava o problema, pois ao introduzir espécies exóticas em um ambiente, elas podem espalhar doenças novas em animais nativos que não tem imunidade a elas.
O Brasil possui a maior fauna de anuros do mundo (sapos, rãs e pererecas), com quase 900 espécies já identificadas. Mas poucos estudos são feitos para monitorar essas populações.
Os principais motivos do declínio de anfíbios por aqui são o desmatamento, a poluição e a intensa pressão antrópica, provocada pelo crescimento das cidades e da agricultura, que torna os ambientes naturais mais fragmentados e cada vez menores.
Muitos anfíbios precisam de ambientes específicos para se reproduzir. Por exemplo, uma espécie de perereca que deposita ovos em bromélias depende dessas plantas para sua população existir.

A maior parte das espécies consideradas em perigo vivem na Mata Atlântica. Esse bioma possui grande diversidade, mas foi reduzido a 7% de sua cobertura original. O avanço das fronteiras agrícolas sob outros biomas, como a Amazônia e o Cerrado também representam uma ameaça, muitas vezes em espécies que ainda nem foram descobertas.
A diminuição dos anfíbios no mundo põe em risco o equilíbrio ecológico do planeta e pode aumentar as populações de insetos, algas e outros organismos dos quais eles se alimentam. Além disso, pode haver perdas nas pesquisas para novos e potenciais medicamentos. Salamandras, por exemplo, são reconhecidas pela capacidade de regeneração de partes do corpo.

Biologia: cientistas descobrem 1.445 novos vírus em seres invertebrados

Pontos-chave
Em novo estudo publicado na Nature, cientistas revelam ter descoberto 1.445 novos vírus em seres invertebrados –aqueles sem espinhas dorsais, como insetos, aranhas e vermes.
Os invertebrados são hospedeiros de uma grande diversidade de vírus.
Eles são organismos microscópicos e apresentam diferentes formas e tamanhos. Estão por toda parte: no ar, no fundo dos oceanos, no subsolo e dentro do corpo humano. Sua estrutura é formada por material genético (moléculas de RNA ou DNA) com uma cobertura de proteína. Alguns cientistas nem os consideram seres vivos, porque não têm metabolismo próprio: para se multiplicar, invadem as células de animais e plantas.
A palavra “vírus” tem origem no latim e significa veneno. Os vírus são considerados como o maior inimigo da vida porque causam doenças como a gripe, dengue, ebola, catapora, zika, sarampo, paralisia infantil, varíola, AIDS, febre amarela, entre muitas outras.
Apesar dos perigos que esse punhado de viroses representam para a saúde, elas são apenas uma pequena fatia da virosfera.
Em novo estudo publicado na revista científica Nature, cientistas revelam ter descoberto 1.445 novos vírus. O trabalho é resultado de uma colaboração entre a Universidade de Sydney e o Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças em Pequim.
O “mapeamento” desses vírus foi feito com novas tecnologias em metagenômica, método de pesquisa que utiliza o material genético recuperado diretamente a partir de amostras ambientais.
Os cientistas escolheram estudar o material genético de mais de 200 espécies de invertebrados (aqueles que não possuem espinha dorsal), como insetos, aranhas, vermes e moluscos. Muitos deles que vivem próximos a nós. Os invertebrados são o grupo mais populoso do planeta e representam 97% de toda a espécie animal.
“Este estudo inovador reescreve o livro de virologia, mostrando que os invertebrados transportam um número extraordinário de vírus, muito mais do que pensávamos”, disse o professor Edward Holmes, do Instituto Marie Bashir de Doenças Infecciosas e Biossegurança, que liderou as pesquisas em Sydney.
Segundo o professor Holmes, a maioria dos grupos de vírus que infectam vertebrados, incluindo seres humanos, são de fato derivados daqueles presentes em invertebrados, ou seja, eles são os hospedeiros “originais” para muitos tipos de vírus.
O estudo também descobriu que esses vírus estão associados aos invertebrados por bilhões de anos, ao invés de milhões de anos como se acreditava.
Diante das recentes epidemias, a descoberta de 1.445 vírus pode ser considerada assustadora. Mas calma --segundo os cientistas do estudo, é provável que apenas alguns deles sejam patogênicos (causadores de doenças) e que a maioria não seja transmitida facilmente aos humanos.
Apesar de os insetos serem hospedeiros de inúmeros vírus, Holmes avalia ainda que as pessoas não precisam ter medo deles, porque apenas uma minoria provoca doenças contagiosas, como a zika e a dengue. Ele também lembra que os insetos são fundamentais para o equilíbrio do ecossistema.
As conclusões desse estudo podem explicar melhor a origem, a evolução, as formas de transmissão e propagação e as melhores técnicas de tratamento de diferentes doenças causadas por vírus.

Vírus e doenças emergentes

Em 1899, o botânico holandês Martinus Beijerinck (1851-1931) demonstrou que o agente da doença do mosaico do tabaco era menor do que uma bactéria e que de alguma forma ele incorporava-se às células de uma planta hospedeira viva. Ele foi o primeiro a identificar o que seria um vírus e por isso é considerado o "pai da virologia".
Existem vírus em todas as espécies que tem células. Os vírus foram isolados e fotografados pela primeira vez na década de 1950. Desde então, a pesquisa na área da virologia evoluiu em ritmo acelerado, com novas ferramentas de laboratório disponíveis.
É impossível calcular o número total de vírus que existem no planeta e quais serão as doenças do futuro. A certeza é que cada vez mais teremos contato com vírus desconhecidos. Isso porque a população mundial está expandindo e circulando por novas áreas.

Ao entrar em locais nunca antes habitados, o homem pode ter contato com novas espécies e microorganismos estranhos. Nessa situação, o vírus já habitava o local, estando inerte e inofensivo, muitas vezes por milhares de anos. Ao entrar em contato com seres vivos e encontrar condições adequadas, pode se hospedar neles e espalhar infecções até então desconhecidas. São considerados emergentes vírus como o zika vírus e o ebola, responsáveis por recentes epidemias.
Além disso, o vírus pode sofrer mutação em contato com estimulantes externos e novas estirpes virais podem ser formadas pela troca de genes entre diferentes cepas. Por exemplo, quando um animal é infectado por mais de uma cepa viral, seus genes podem se misturar e formar partículas virais com novas propriedades. Cada mutação pode trazer mudanças no comportamento do vírus.
O mundo globalizado representa um desafio à saúde pública. Numa sociedade conectada e que viaja com frequência, vírus letais têm o potencial de se espalhar rapidamente por diversos pontos do planeta, num fenômeno conhecido como pandemia (epidemia globalizada).

Dia Mundial da Luta contra a Aids: mortalidade cai no Brasil, mas doença avança entre homens jovens

Pontos-chave
Desde 1981, 25 milhões de pessoas morreram em todo o mundo por doenças relacionadas à Aids. De lá para cá, muita coisa mudou. Com o avanço das pesquisas médicas, o HIV deixou de ser uma infecção letal.
827 mil brasileiros são portadores do vírus HIV. Segundo o Ministério da Saúde, a epidemia está estabilizada. Ainda assim, mais de 41 mil novos casos surgem por ano no país e não há uma queda de novas infecções. 112 mil brasileiros desconhecem ter o vírus.
A doença tem avançado principalmente entre homens jovens. Os casos de Aids no Brasil aumentaram 40%, de 2006 a 2015, entre jovens de 15 a 24 anos.
No Brasil, a mortalidade pela doença caiu 42% em 20 anos, com a ampliação do diagnóstico e do tratamento.
Simbolizado por um laço de fita vermelho, o Dia Mundial de Luta contra a Aids é celebrado em 1º de dezembro. A data foi criada em 1998 e serve para dar visibilidade à doença, combater o preconceito e informar corretamente as formas de transmissão do vírus.
A Aids não tem cura, está em todos os continentes e ainda representa um dos problemas de saúde mais graves em todo o mundo. Hoje, mais de 33 milhões de pessoas vivem com HIV e o número tende a aumentar, principalmente na África e na Ásia.

No Brasil, os dados mais recentes do Ministério da Saúde estimam que 827 mil pessoas sejam soropositivas. A epidemia é considerada estável pelo governo, com taxa de detecção em torno de 19,1 casos para cada 100 mil habitantes. Ainda assim, mais de 41 mil novos casos surgem por ano no país e não há perspectiva de uma queda de novas infecções.
Do total de infectados brasileiros, 455 mil pessoas estão em tratamento e 260 mil sabem do seu estado, mas não começaram a se tratar. E mais: 112 mil desconhecem sua condição, o que eleva a chance de transmissão involuntária para outras pessoas. Elas podem ter o vírus e não sentir nenhum sintoma.
A boa notícia é que o número de vítimas fatais vem apresentando redução no país. Nos últimos 20 anos, houve uma queda de 42,3% nas mortes provocada pela doença. A taxa caiu de 9,7 óbitos para cada 100 mil habitantes em 1995 para 5,6 óbitos em cada 100 mil habitantes em 2015. Para o Ministério da Saúde, o resultado se deve a campanhas de incentivo ao diagnóstico e à adesão a tratamentos ainda no estágio inicial.
Outro dado positivo é a diminuição na transmissão do HIV de mãe para filho --o índice caiu 36% de 2010 a 2015. Os motivos são a ampliação da testagem no pré-natal e o aumento da oferta de medicamentos para gestantes.
Mas ainda existem motivos para preocupação. Embora a epidemia de Aids seja considerada estável, o Brasil enfrenta agora o desafio de blindar o crescimento da incidência da doença entre jovens.
Segundo pesquisa do Ministério da Saúde, os casos de Aids entre jovens de 15 a 24 anos aumentaram 40% de 2006 até 2015 em todo país.
Entre os motivos apontados estão a falta de acesso a serviços de saúde e a menor adesão desse grupo ao tratamento --pesquisas indicam que essa população não mantém o hábito de frequentar unidades de saúde. Entre os jovens de 18 a 24 anos, apenas 57% estão em tratamento.
Mas o principal fator tem a ver com a falta de prevenção: os jovens estão usando menos preservativos nas relações sexuais. O fato é que muitos contraem a doença porque estão mal informados, não porque não existam campanhas educativas. A avaliação dos médicos sobre a epidemia entre jovens é atribuída a uma mudança cultural.
É possível que essa nova geração tenha perdido o medo da Aids, por acreditar que ela é uma doença do passado ou que ela não mate tanto quanto antes. Muitos também acreditam que, se pegar o vírus, é só tomar um remédio que está tudo bem. O resultado dessa falsa percepção pode ser a falta de uso de preservativos durante as relações sexuais.
Os jovens de sexo masculino constituem o maior número de infecções por HIV no Brasil. A pesquisa revelou uma queda no número de mulheres infectadas, em todas as faixas etárias. Em 2015, houve 1 caso de mulher infectada para cada 3 casos de homens. Em 2006, a proporção era 1 caso de mulher para cada 1,2 casos de homem.

A preocupação é ainda maior com a população jovem gay. Em 2014, o Ministério da Saúde estimou que 0,4% da população brasileira estaria infectada pelo HIV. Mas, entre homens que fazem sexo com outros homens maiores de 18 anos, a taxa subiria para 10,5%.
Outros grupos vulneráveis ao contágio são formados por profissionais do sexo e por usuários de drogas, especialmente nas camadas mais pobres da população.

A doença e sua transmissão
A Aids é uma doença causada pelo HIV, sigla para Vírus da Imunodeficiência Humana. Ela se caracteriza pelo enfraquecimento do sistema imunológico do corpo. Mas ter o vírus não significa necessariamente ter Aids. Uma pessoa é considerada soropositiva quando apresenta o HIV no sangue. Quando manifesta forte deficiência no sistema imunológico, ela é considerada doente.
O HIV destrói o sistema imunológico e se “alimenta” das células que defendem o corpo de infecções e doenças. Quanto mais o vírus ataca, mais vulnerável o corpo fica. Quando o organismo não tem mais forças para combater os agentes externos, aparecem micróbios e doenças oportunistas --como a tuberculose, pneumonia, a meningite ou o sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer. Se não tratadas, essas infecções podem levar à morte.
Uma vez que o HIV se instalou no corpo, o portador pode transmiti-lo para outra pessoa através de relações sexuais sem preservativos ou pelo contato com sangue contaminado (transfusão de sangue, cortes no corpo e compartilhamento de seringas). Uma mãe que tenha HIV e não faça o tratamento também pode transmitir o vírus para o filho, tanto na gestação quanto na amamentação.
A detecção do vírus é feita por exame de sangue e os tratamentos mais comuns são feitos com a combinação de drogas antirretrovirais que têm como objetivo aumentar a sobrevida das pessoas infectadas. Elas atuam no fortalecimento das defesas do organismo e na prevenção de infecções.
Aids ontem e hoje
O mundo começou a viver uma epidemia de Aids a partir da década de 1980. Os primeiros casos da doença surgiram em países africanos, mas o primeiro registro oficial foi em 1981, nos Estados Unidos.
Nos primeiros anos da doença, foram definidos alguns grupos de risco para caracterizar os mais expostos ao HIV. Os grupos de maiores vítimas eram os homossexuais masculinos, os usuários de drogas injetáveis e os profissionais do sexo.
Por ter se espalhado rapidamente em comunidades gays, a Aids ganhou a referência pejorativa de “peste gay”, o que fez o preconceito aumentar ainda mais contra essas minorias.
Mas, logo depois, a doença apareceu em homens heterossexuais, mulheres e crianças que haviam passado por cirurgias ou recebido transfusões de sangue. A sociedade aprendeu que o vírus não escolhia gênero ou opção sexual e que ele havia se tornado uma epidemia planetária.
Atualmente não se usa mais a expressão “grupo de risco”. O mais correto é falar em comportamentos ou situações de riscos, porque o vírus se espalha de forma geral, todo mundo pode pegar. São considerados os principais comportamentos de risco ter relações sexuais sem proteção e compartilhar seringas e agulhas.
No início, a medicina ainda não sabia como diagnosticar a enfermidade. Teve até quem achasse que a Aids pudesse ser transmitida pelo ar. O pânico assustou profissionais de saúde e portadores. O tempo entre o diagnóstico e a morte era de apenas seis meses. A infecção pelo HIV passou a significar uma verdadeira sentença de morte. Em 1983, pesquisadores isolaram o vírus pela primeira vez e, em 1987, surgiu a primeira droga para ajudar no tratamento da doença.
A falta de informação sobre a doença fez com que os portadores de HIV fossem discriminados. Muita gente se recusava a apertar a mão ou mesmo tocar em soropositivos. Ainda hoje existe um forte estigma a ser combatido.
A sociedade tinha a imagem de que a doença era realmente mortífera. A geração de jovens que cresceu nessa época presenciou a morte de ídolos como os cantores Freddie Mercury, Cazuza e Renato Russo, o jogador de basquete Magic Johnson e o cartunista Henfil e seu irmão Betinho.
Desde 1981, 25 milhões de pessoas morreram em todo o mundo por doenças relacionadas à Aids. De lá para cá, muita coisa mudou. Com o avanço das pesquisas médicas, a síndrome deixou de ser letal. Quem faz o tratamento e toma corretamente os medicamentos pode viver muitos anos e levar uma vida quase normal.
Enquanto isso, a ciência sonha em descobrir uma vacina segura e eficaz. Diversos compostos já estão sendo testados. O maior obstáculo é a complexidade do HIV, um vírus com alta taxa de mutação.
O Brasil é considerado pela Organização Mundial da Saúde como um dos países mais avançados em programas de prevenção e tratamento da doença. O modelo brasileiro virou referência e prevê a produção de remédios localmente, sem o pagamento de royalties para laboratórios internacionais. Aqui o teste de HIV pode ser feito gratuitamente em postos de saúde, que também distribuem medicamentos e preservativos de graça.
África: o continente devastado pela Aids
A África é o continente que reúne o maior número de pessoas contaminadas. Sete em cada dez ocorrências de Aids no mundo se concentram no continente africano. A doença já matou 17 milhões de africanos.
Em alguns países, as estatísticas são assustadoras. Em Botsuana, mais de um terço da população adulta vive com o HIV. Na África do Sul, 20% da população está contaminada, no total de 4,2 milhões de pessoas.

A doença possui uma relação direta com a pobreza. Dos 33 milhões de soropositivos no mundo, 90% vivem em países pobres. Os governos não possuem recursos para bancar o alto custo do tratamento e realizar programa eficientes prevenção. E, como a população produtiva está morrendo, esses países estão ficando ainda mais pobres. O futuro parece ainda mais comprometido: a África concentra 90% dos casos de crianças com HIV.

A negação da política: os políticos nunca foram tão impopulares?

O que você pensa quando escuta alguém dizendo “não gosto de política”? A política é uma atividade inerentemente humana e está sempre presente em nossas vidas. Ela faz parte da organização social, da administração de um município, estado ou nação. De tudo que é público.
O político é o profissional eleito ou indicado que atua na esfera da organização pública. Em eleições recentes, diversos candidatos sem tradição na política conquistaram popularidade justamente por se apresentarem como não políticos --pessoas que não possuem experiência política e trajetória no governo.
Na cidade de São Paulo, o prefeito eleito João Doria (PSDB) repetiu inúmeras vezes em sua campanha a expressão “não sou político, sou empresário”. Ele apostou na imagem de gestor e administrador de empresas bem sucedidas, algo bem distante dos políticos tradicionais.
Em Belo Horizonte (MG), o prefeito eleito Alexandre Kalil (PHS), empresário e ex-presidente do clube de futebol Atlético Mineiro, lançou o slogan “Chega de político” e repetiu diversas vezes que era contra a chamada “velha política”. Apesar de ter sido apontado por seus oponentes como um candidato sem propostas, seus eleitores o veem como uma alternativa de mudança, uma terceira via entre a polarização do PT e PSDB.
Também chama a atenção o alto índice de abstenção de votos, com eleitores que votaram branco, nulo ou que não compareceram à votação. Na capital mineira a abstenção foi de 22,77%. Em São Paulo, 21,84% dos eleitores deixaram de votar. A porcentagem representa o maior índice de abstenções e votos inválidos das últimas seis eleições municipais. Um sintoma da falta de engajamento da população na política.
A afirmação de que um candidato não é um político é errada. Isso porque toda disputa eleitoral é política e todo cargo político envolve práticas políticas como a negociação, o debate ou votações. É impossível governar apenas baseado em critérios técnicos. Por exemplo, uma proposta do prefeito pode ser votada ou fiscalizada por vereadores.
Embora seja contraditório, o discurso da negação da política tenta agradar e atender às expectativas de um público que tem rejeição a políticos. É uma estratégia de comunicação que pode fazer sentido para eleitores ansiosos por mudanças.
As manifestações populares que ocorreram no Brasil em 2013 desencadearam, entre outras reações, o sentimento coletivo de rejeição a políticos. Durante as manifestações era comum a hostilização de pessoas com símbolos partidários. Novas demandas sociais surgiram, sem que os políticos pudessem dar uma resposta ou oferecer saídas.

Uma pesquisa feita pelo Instituto Ibope, em julho de 2015, mostrou que a confiança do brasileiro nos partidos caiu de 30 para 17, numa escala de zero a 100. Essa decepção é uma consequência da crise nacional e da sucessão de escândalos de corrupção que envolvem um grande número de políticos do país, como os revelados pela operação Lava Jato.
Neste cenário, a estratégia de campanha de muitos candidatos nas últimas eleições foi apostar na própria história e na força da figura pessoal, sem dar muito destaque ao partido. Assim, atraíram votos de quem não tolera a classe política e acredita que os políticos são corruptos, desonestos, incapazes ou ladrões.

Um novato nos Estados Unidos
Em novembro deste ano, o republicano Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Sem experiência na política, ele é dono de grandes empresas e chegou a apresentar um programa de TV nos EUA.
No início da sua candidatura, Trump representava um tiro no escuro e alcançou o índice de rejeição mais alto da história das pesquisas eleitorais nos EUA. Hillary Clinton, sua adversária democrata, também tinha um alto índice de rejeição, com uma imagem que para muitos soava como a continuidade do que já existe, “o mais do mesmo”.
Durante sua campanha, Trump repetia que não era “um político de profissão”. Além disso, ele abusou do politicamente incorreto e usou em toda sua campanha um discurso agressivo que envolvia críticas a imigrantes, latinos, mulheres, mulçumanos e afro-americanos.
Apesar de ser considerado repulsivo por grande parte do eleitorado norte-americano, a falta de papas na língua transformou Trump como alguém que falava o que pensa. Coisas que nenhum político costuma externar abertamente. Um discurso que fazia sentido principalmente para trabalhadores brancos de baixa escolaridade, uma eleitorado que foi fundamental para que Trump ganhasse.
No mundo inteiro, os índices de popularidade dos governantes e dos políticos estão bem abaixo das médias históricas. As pessoas estão desencantadas com a política, seja ela a tradicional ou a futura.
Segundo analistas, a decepção da sociedade com os políticos é um fenômeno explicado por um conjunto de fatores. Os principais fatores seriam a crise econômica e a recessão, que afetaram praticamente todos os países do mundo ao longo da última década.
Historicamente, o índice da popularidade dos governantes varia junto com as taxas de crescimento da economia. Se a economia está bem, a população fica mais satisfeita. A crise também tende a aumentar o desejo de mudança e a eficácia de discursos radicais e extremistas.

Outro fator a influenciar a política são as redes sociais, que permitem o aumento de conexões e a troca de informações entre as pessoas. Nas redes sociais, as polêmicas, as manifestações de ódio e a atuação de um político se espalham rapidamente. Assim como o poder de mobilização para uma causa.
A negação da política e sua relação com o totalitarismo
“Deviam acabar com os partidos políticos”, “eu me orgulho de não votar”, “o que importa é o candidato, não o partido” são frases comuns e que demonstram o desencanto com a atividade política.
Mas o que seria um mundo sem política? Seria um lugar mais autoritário. Um espaço sem diálogos, debates de ideias e participações coletivas em decisões de interesse público ou da sociedade.
A palavra autoritarismo significa um modo antidemocrático de exercer o poder. Em um mundo onde a política tem espaço, o povo pode fazer escolhas. A eleição e a pressão popular para vetar ou aprovar medidas afetam decisões em todos os campos: saúde, emprego, educação, leis, obras, economia, assistência social entre outros. É por isso que um povo que se desinteressa pela política negligencia seus próprios direitos.
O filósofo político Norberto Bobbio define um regime autoritário como aquele que privilegia a autoridade governamental e concentra o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão, colocando em posição secundária as instituições representativas. São algumas características a ausência de Parlamento e de eleições populares e a falta de diversidade de partidos (outras posições políticas não são aceitas).
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a economia da Europa estava em frangalhos. Em meio à crise, o continente assistiu ao surgimento de ideologias autoritárias: o nazismo e o fascismo.
A crise de 1929 agravou a situação da Alemanha, ocasionando o desemprego e favorecendo a ascensão do Partido Nazista ao poder, liderado por Hitler. O regime nazista tinha como características o nacionalismo, o militarismo e o antissemitismo.
O movimento fascista surgiu na Itália no início da década de 1920 e acabou inspirando outros regimes de políticos de viés totalitário, como os da Espanha e de Portugal. Foram características desse regime a forte hierarquia partidária e a valorização do aparato militar.
A União Soviética também viveu um regime autoritário, sob o governo comunista de Stálin (1924 a 1953), com forte controle do Estado e cerceamento às liberdades individuais.
Se a negação da política pode levar a um esvaziamento da democracia, a resposta para a mudança parece estar na mudança da política. O que levaria a um dilema: se são os políticos que têm o poder de fazer reformas e mudar as regras da política, como mudar?

O voto consciente (aquele que é baseado na análise de informações), o controle social, a conduta ética e a cobrança por resultados parecem ser caminhos mais seguros para a transformação e para a escolha dos futuros governantes.

Desinformação na era da informação: o compartilhamento de mentiras e boatos na internet
Pontos-chave
Cada vez mais são compartilhadas notícias falsas pela internet.
A divulgação de histórias falsas pode ter consequências reais, como causar prejuízos financeiros, constrangimentos, injúria e difamação de pessoas, empresas e organizações.
Em nosso tempo, todos nós podemos produzir e receber informação. Se por um lado essa possibilidade democratiza a comunicação, por outro facilita a divulgação de conteúdo feito sem responsabilidade.
O termo “pós-verdade” foi eleito pela Universidade de Oxford como a palavra do ano de 2016. Ele diz respeito a circunstâncias nas quais fatos objetivos e reais têm menos importância do que crenças pessoais.
O 13º salário será extinto pelo Governo brasileiro. Obama chuta porta em protesto contra Trump. Diabo aparece em foto tirada no Maranhão. O que essas notícias têm em comum? Todas são falsas e se espalharam rapidamente pela internet.
Uma informação gera conhecimento, ajuda a pessoa a construir uma opinião sobre determinado assunto e aprimora o debate público. Mas quantas informações falsas você já compartilhou nas redes sociais ou em grupos do WhatsApp?
Não é porque algo está publicado por amigos ou em formato de notícia que necessariamente é verdade. Muitas vezes passamos para a frente algo que nem paramos para pensar de onde veio. É necessário cada vez mais cuidado e racionalidade ao ler as notícias.
Em novembro deste ano, o Facebook e o Google anunciaram que vão combater sites que propagam notícias falsas, impedindo que estas plataformas utilizem seus serviços de publicidade.
As medidas das duas companhias surgiram após o Facebook ser acusado de influenciar no resultado das eleições dos Estados Unidos. A rede social difundiu informações falsas que teriam beneficiado Donald Trump, o candidato eleito. Uma das notícias inverídicas populares foi a de que o papa Francisco havia dado seu apoio ao candidato republicano.
Os boatos sempre existiram. Antes mesmo de existir a escrita, o “ouvir dizer” era o único veículo de comunicação nas sociedades. O rumor é uma prática que pode existir em qualquer grupo ou classe social. Basta lembrar da brincadeira do telefone sem fio, na qual uma mensagem passa de boca em boca.

O estudioso francês Kapferer define boato como “uma proposição ligada aos acontecimentos diários, destinada a ser aumentada, transmitida de pessoa a pessoa, habitualmente através da técnica do ouvir dizer, sem que existam testemunhos concretos capazes de indicar exatidão”.
Mas por que tantas pessoas acreditam em boatos, mesmo aqueles de teor absurdo? Os psicólogos norte-americanos Allport e Postman afirmam que qualquer necessidade pode dar movimento a um rumor. O desejo obstinado de se acreditar nele, nossos medos, esperanças, curiosidades, inseguranças, tensões, ideologias, crenças e preconceitos.
Outro fator é a confiança na pessoa ou veículo que transmitiu o fato. Grande parte das notícias nas redes sociais são compartilhadas por amigos e conhecidos nos quais os usuários têm confiança, o que aumenta a veracidade de uma história.
Para um boato existir, ele precisa ser propagado. Segundo Kapferer, se não houve uma ambiguidade ou se a importância ou relevância de um fato for nula para o público-alvo, não haverá a multiplicação da notícia.
Com a evolução da tecnologia que permite o acesso à internet, mais pessoas puderam se conectar à rede. Os boatos digitais ganharam os apelidos de “hoax”. São histórias falsas que circulam na internet. Recebidas por e-mail ou compartilhadas em sites de relacionamento, elas aparecem a todo momento.
Marcas também se aproveitam da dinâmica das redes sociais para “fabricar” notícias com potencial de viralidade. É o caso da notícia do enterro de um carro pelo milionário Chiquinho Scarpa. Em 2013, ele havia chamado a imprensa para cobrir o enterro de seu carro de luxo no jardim de sua mansão. Mas, depois de toda a controvérsia que levantou, Chiquinho revelou que tudo tinha um motivo bem mais nobre: o lançamento de uma campanha de doação de órgãos. Alguns veículos fizeram a cobertura ao vivo e caíram na pegadinha.
A divulgação de histórias falsas pode ter consequências reais, como causar prejuízos financeiros, constrangimentos, injúria e difamação de pessoas, empresas e organizações. Em casos extremos, pode originar ações violentas. Em 2014, uma mulher foi espancada até a morte na cidade de Guarujá (SP), depois de ser acusada, em boatos em redes sociais, de que sequestrava crianças. No entanto, ela era inocente.
O jornalismo e a checagem de informações
A tradicional produção de notícias por empresas jornalísticas consistia em produzir e disseminar uma informação, a partir de uma equipe de profissionais e um acesso restrito a fontes. O emissor emitia a mensagem para o receptor, em um processo praticamente sem mediações. A imprensa exercia o papel de ser o porta-voz do mundo real.
Em nosso tempo, todos nós podemos produzir e receber informação. Com a internet, o cidadão pode criar a informação e a colocar em tempo real em relatos, vídeos e fotos. Se por um lado essa possibilidade democratiza a comunicação, por outro, facilita a divulgação de conteúdo feito sem responsabilidade.

O jornalista trabalha com a credibilidade dos fatos. O compromisso com a verdade e a apuração precisa são fundamentais para o jornalismo e permitem que um veículo seja uma fonte de informação confiável e de credibilidade.
Um dos processos necessários à prática jornalística é a apuração, a etapa de checagem de informações. O jornalista deve checar os dados para ver se um fato é real ou não. Para isso, ele pode realizar entrevistas com diversas fontes, levantar informações das fontes citadas, conferir dados, cruzar fatos e estabelecer conexões e contextos. Sem a checagem, o que se apresenta é um conjunto de dados que podem estar incorretos, incompletos ou que reflitam o interesse de uma pessoa e não o interesse público.
O sociólogo T. Shibutani afirmou que “o boato é o mercado negro das informações”. O uso das redes sociais representam um desafio a mais nessa questão. Agora é possível produzir um boato e em pouco tempo espalhar a notícia para milhares de pessoas.
O problema aumenta quando a pessoa só se informa pelas redes sociais. Em junho, o Facebook alterou seu algoritmo para diminuir o alcance de postagens de sites noticiosos e privilegiar posts de amigos e familiares. Esse mecanismo pode ter uma consequência inusitada: aumenta a probabilidade dos usuários receberem informações de quem pensa igual a ele --e, portanto, corrobora seu ponto de vista.
Muitas vezes as notícias falsas vão parar em jornais conceituados da grande imprensa como se fossem verdadeiras. Em 2014, isso aconteceu com a história da suposta exigência do ditador norte-coreano Kim Jong-Un, que teria imposto a todos os homens daquele país o seu corte de cabelo. A informação repercutiu pelo mundo e foi publicada como verdadeira na mídia online, corrompendo, deste modo, a credibilidade jornalística de apuração.
Como separar o joio do trigo, ou seja, o que é real do que é falso? A recomendação é que antes de compartilhar qualquer informação, quando possível, seja verificada a sua veracidade.
Em um contexto de avalanche de informações e de rápida disseminação, a checagem se tornou uma atividade ainda mais complicada. Como checar tudo? A imprensa possui um papel estratégico nessa necessidade. Porém, a busca pelo furo de reportagem ou pelo clique mais rápido são alguns dos motivos que fazem com que muitos veículos da imprensa deixem o compromisso da checagem de lado.
A demanda de checar um grande volume de dados fez surgir serviços e organizações especializadas em descobrir a veracidade das informações que circulam na sociedade. Em 2015, 64 grupos praticavam a checagem de fatos e dados publicados pela imprensa em mais de trinta países.
Existem ainda serviços que verificam a veracidade de dados e declarações públicas de políticos e personalidades. No Brasil, são exemplos a Agência Lupa e os sites Aos Fatos, Detector de Mentiras e o projeto Truco, da Agência Pública. Boatos populares da internet também são desmentidos por sites como Boatos.org e E-farsas, que identificam fraudes e montagens.

Recentemente o Google inaugurou o serviço “Fact Check”. A proposta é que o internauta que navegue pelo Google Notícias possa visualizar a tag “fact check”, que garante que a informação não é falsa e que o criador do conteúdo atendeu a determinados critérios de qualidade. No momento, apenas usuários do Reino Unido e Estados Unidos conseguem enxergar a sinalização sobre os fatos de cada notícia. A tendência é que esse tipo de serviço de verificação aumente.
A ascensão da era da pós-verdade
O termo “pós-verdade” foi eleito pela Universidade de Oxford como a palavra do ano de 2016. O adjetivo diz respeito a circunstâncias nas quais fatos objetivos e reais têm menos importância do que crenças pessoais.
A palavra é cada vez mais usada na cobertura de temas políticos. Segundo analistas, a verdade está perdendo importância no debate político e as pessoas não estão sendo influenciadas por argumentos racionais e pelos fatos concretos. Elas estão tomando decisões com base em suas emoções, sentimentos e crenças, ou seja, suas visões de mundo.
Assim, um boato de algo que não aconteceu mas que esteja alinhado à visão de mundo de uma pessoa ganha destaque com a pré-disposição dela em acreditar naquilo. E a sua circulação massiva e sem controle produz um efeito de verdade. O problema é que a pessoa nega o conhecimento, pois prefere acreditar na mentira, em algo que corrobore ou que não abale suas crenças.
São exemplos o boato divulgado de que o papa Francisco apoiava a candidatura de Donald Trump. Outro exemplo é a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, apelidada de “Brexit”. Durante a campanha pelo Brexit, foram espalhados boatos mentirosos de que a permanência no bloco custava à Grã-Bretanha US$ 470 milhões por semana. Apesar de infundadas, denunciar as informações falsas não foi suficiente para mudar a opinião pública. As mentiras foram inventadas para inflar preconceitos e radicalizar posicionamentos.

Poluição: 92% da população global respira ar poluído

Pontos-chave
Um relatório da Organização Mundial da Saúde publicado em setembro conclui que 92% da população mundial vive em locais onde a poluição do ar excede os limites estabelecidos pela organização.
A poluição põe a saúde em risco e pode provocar doenças e mortes precoces.
A OMS estima que cerca de 3 milhões de mortes ao ano estejam ligadas à poluição externa do ar.
Faça uma pausa para inspirar e expirar. Não importa onde você vive, as chances dos seus pulmões inalarem poluição são altas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nove em cada dez pessoas respiram mal no mundo. O ar limpo está se tornando um privilégio de poucos.
Os dados são de um relatório da entidade publicado em setembro, que alerta que 92% da população global vive atualmente em áreas onde os níveis de qualidade do ar ultrapassam os limites mínimos de segurança estabelecidos pela entidade.
O estudo recolheu amostras do ar em mais de três mil localidades rurais e urbanas pelo planeta. A qualidade do ar está piorando na maioria das cidades monitoradas e o ambiente está cada vez mais degradado. Entre 2008 e 2013, os níveis de poluição aumentaram em 8%.  Como os países continuam a se industrializar e se urbanizar, a tendência é que esse número aumente.
Na pesquisa, foram detectadas partículas poluentes presentes no ar como o dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO) e dióxido de nitrogênio (NO2). O limite de tolerância determina se o ambiente é considerado insalubre. A OMS recomenda que a concentração de partículas não ultrapasse 25 ppm (partes por milhão)
A poluição do ar tem uma relação direta com a qualidade da saúde humana e hoje é a principal causa ambiental de doenças. No corpo, partículas poluídas podem provocar irritação nos olhos, dor de cabeça, tontura e sonolência. Em alta concentração, podem causar doenças respiratórias, cardíacas, derrame e diversos tipos de câncer, como o de pulmão. Reduzir a poluição ajuda as famílias a ficarem mais saudáveis, economizarem em gastos médicos e aumenta a produtividade no trabalho.
A OMS estima que cerca de 3 milhões de mortes ao ano estejam ligadas à poluição externa do ar. De acordo com a organização, quase 90% delas são registradas em países de baixo desenvolvimento. As regiões mais afetadas são a África, o Oriente Médio e a Ásia. Quase dois em cada três óbitos foram contabilizados no sudeste asiático e em regiões ocidentais do Pacífico.
Quem lidera o ranking dos países mais contaminados é o Turcomenistão, com 108 mortes por cada 100 mil habitantes. Depois vêm Afeganistão, Egito, China e Índia.
No Brasil, a média foi de 14 mortes a cada 100 mil habitantes, um nível considerado moderado. A pior cidade é Santa Gertrudes, em São Paulo, que aparece como a 175ª cidade mais poluída do mundo. A culpa é de um polo industrial de produção de cerâmica.
As principais fontes de poluição do ar resultam da queima de combustíveis fósseis, ao aumento da frota de veículos motorizados nas cidades, às atividades industriais em geral e à queima do lixo.
Nos países asiáticos, o uso de termoelétricas para gerar energia é responsável por grande parte dos poluentes atmosféricos. Já na África, muitas regiões são desertas e pouco povoadas. As partículas de poluição não provêm da indústria, mas da poeira do deserto transportada pelo vento. Em ambas as regiões também é comum a poluição provocada pelo uso de madeira, esterco ou biomassa para aquecer o fogão. Atualmente, 17% das emissões mundiais de CO2 são produzidas no cozimento doméstico.

As crianças constituem o grupo de maior vulnerabilidade à poluição. Elas respiram duas vezes mais rápido do que um adulto, e seus sistemas respiratório e imunológico são mais vulneráveis. A Unicef estima que 1 em cada 6 mortes de crianças com menos de cinco anos em 2015 deveu-se à pneumonia, uma doença em que metade dos casos ocorrem por poluição ambiental.
O país mais poluente do mundo é a China. O uso de carvão como principal fonte de energia, o amplo parque industrial e o número crescente de veículos faz com que parte do país esteja permanentemente encoberto por uma névoa opaca de poluentes. Em alguns lugares, a concentração de partículas de poluição chega a ser centenas de vezes mais densa que o recomendado pela OMS. É comum os chineses saírem na rua com máscaras cirúrgicas para se protegerem da poluição ambiental.
Em 2014, a Academia de Ciências Sociais de Xangai publicou um relatório dizendo que a poluição severa de Pequim estava tornando a cidade inabitável para humanos. Num dia poluído em Pequim, a concentração de partículas finas atinge 300 microgramas por metro cúbico. O nível máximo recomendado é 25 por dia.
Na Índia, as termoelétricas são as principais responsáveis por grande parte dos poluentes atmosféricos. A cidade de Nova Déli já apresenta 900 microgramas de partículas poluentes por metro cúbico. Nas zonas rurais do país, o que preocupa é a poluição interna, aquela produzida dentro das casas. Ela é provocada pela queima de combustíveis ao cozinhar – 81% das casas rurais do país usam biomassa para aquecer os alimentos.
A poluição atmosférica causa danos ao meio ambiente e provoca chuva ácida (contaminando rios e lagos) e o efeito estufa. A deposição dos poluentes atmosféricos nas plantas pode levar à redução da sua capacidade de fotossíntese, provocando, por exemplo, queda da produtividade agrícola (e da produção de alimentos) e o desequilíbrio de ecossistemas.
Nas cidades europeias, a principal causa de poluentes é o gás que sai dos escapamentos dos carros. Na Europa, a OMS calcula que as emissões geradas pelos automóveis são responsáveis por 75 mil mortes prematuras todos os anos.
O Brasil também possui zonas de alta concentração de poluentes. Na cidade de São Paulo (SP), 5 mil mortes seriam evitadas anualmente se a recomendação da OMS fosse atingida. E mais: um paulistano que tem hoje 30 anos poderia ter a sua expectativa de vida ampliada em quase 16 meses se a poluição do ar da cidade estivesse em um limite seguro.
Como solucionar?
Diminuir a poluição atmosférica de uma cidade envolve uma série complexa de iniciativas: um bom planejamento urbano, um sistema eficiente de mobilidade (o que reduz o número de veículos em circulação), o uso adequado do solo e a redução da utilização de carvão e madeira para energia.

Na Índia, já existem fogões movidos a energia solar. Na Espanha, diversas cidades estão limitando a circulação de carros e investindo em transporte público. Na China, o governo anunciou uma série de medidas para tentar recuperar a qualidade do ar das principais cidades. O investimento em tecnologias limpas, como a energia solar, está ficando cada vez mais comum.
Em 2015, o Acordo de Paris sobre o clima conseguiu a adesão de 195 países para o compromisso de adotar medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa, causadores do aumento da temperatura global. O pacto faz com que novas medidas sustentáveis sejam implementadas.
Uma das soluções mais simples e eficientes para combater a poluição urbana é o plantio de árvores. Elas filtram o ar sujo e podem remover até um quarto do material particulado no raio de algumas centenas de metros.
Além disso, elas também esfriam o clima. Uma árvore pode diminuir a temperatura à sua volta em até 2º C, o que reduz as ilhas e ondas de calor e os efeitos do aquecimento global. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda que uma cidade tenha pelo menos 12 metros quadrados de área verde por habitante.
Um recente estudo da organização The Nature Conservancy (TNC) revela que um investimento global de US$ 100 milhões ao ano em plantio de árvores pode oferecer cidades mais frescas a 77 milhões de pessoas, além de decréscimos mensuráveis da poluição a 68 milhões de habitantes.

Brasil vive epidemia de sífilis: falta de uso da camisinha é a principal causa

Pontos-chave
O número de casos de sífilis (doença sexualmente transmissível provocada por uma bactéria) vem aumentando no Brasil. Este ano, o Ministério da Saúde divulgou que o país vive uma nova epidemia de sífilis.
Segundo especialistas, a atual epidemia tem causas multifatoriais, como a falta de medicamentos, a baixa qualidade dos exames pré-natal e a falta de uso de preservativos nas relações sexuais.
A maior preocupação é com a transmissão de mulheres grávidas para os fetos. A doença pode provocar aborto e más-formações no bebê.
A principal forma de transmissão da sífilis é pelo contato sexual e por isso o uso da camisinha é a melhor arma de prevenção. Nos últimos anos, pesquisas revelam que o uso de preservativos tem diminuído no Brasil, principalmente entre a população jovem.
O Brasil vive uma nova epidemia de sífilis, uma doença sexualmente transmissível (DST). O Ministério da Saúde divulgou dados recentes mostrando que o número de pessoas infectadas no Brasil aumentou 32,7% entre 2014 e 2015, chegando a 65.878 casos no ano passado. O aumento é considerado expressivo em todas as faixas etárias.
As gestantes constituem um dos grupos de maior risco. Os casos de sífilis congênita (transmissão da mãe grávida com sífilis para o bebê) cresceram de forma espantosa. A taxa de bebês com sífilis congênita em 2015 foi de 6,5 casos a cada mil nascidos vivos - 13 vezes mais do que é tolerado pela Organização Mundial de Saúde e 170% a mais do que o registrado em 2010.
A bactéria da sífilis é capaz de atravessar a barreira placentária e infeccionar o feto durante a gestação ou na hora do parto. As consequências podem ser graves para o bebê e ocasionar problemas físicos, mentais e até a morte.
Segundo especialistas, a atual epidemia tem causas multifatoriais como a falta de medicamentos, a baixa qualidade dos exames pré-natal e principalmente a falta de uso de preservativos em relações sexuais.
A sífilis é uma doença muito antiga e ficou conhecida no século 14, na Europa. O termo sífilis originou-se de um poema, com 1.300 versos, escrito em 1530 pelo médico e poeta Girolamo Fracastoro em seu livro intitulado Syphilis Sive Morbus Gallicus (“A sífilis ou mal gálico”). Ele narra a história de Syphilus, um pastor que amaldiçoou o deus Apolo e foi punido com o que seria a doença sífilis.
Durante a Idade Média, a doença era considerada muito perigosa e fez milhares de vítimas. O impacto foi tamanho que a infecção foi considerada pela Igreja como um castigo dos céus. Ao longo da história a sífilis foi a causa da morte de muitas personalidades, como o poeta Charles Baudelaire (1821-1867), o escritor Oscar Wilde (1854-1900) e o gângster Al Capone (1899 - 1947).
Foi apenas no final do século 19, com as pesquisas de Louis Pasteur, que a ciência constatou que a sífilis estava relacionada à ação de microorganismos presentes no corpo. Mais tarde, o médico Alexander Fleming (1928) descobriu a penicilina, substância que inibia o crescimento de certas substâncias. Ela foi o primeiro antibiótico usado com sucesso no tratamento de infecções causadas por bactérias e contribuiu para diminuir a incidência da doença nas décadas seguintes.
Também chamada de cancro duro, a sífilis é causada pelo contágio com a bactéria Treponema palidum, que pode ser transmitida facilmente por meio do contato com feridas ou lesões de pessoas infectadas, através de transfusões sanguíneas e durante a gravidez ou parto, da mãe para o filho.
A infecção causa o aparecimento de uma ferida nos órgãos sexuais. Ela se caracteriza por ter bordas elevadas e avermelhadas. Esses sintomas podem desaparecer no estágio mais avançado da doença. Depois de semanas ou meses, podem aparecer manchas no corpo, especialmente nos pés e mãos. Se não tratada, a sífilis pode provocar paralisia, cegueira, problemas cerebrais, respiratórios e cardíacos. Ela ainda pode facilitar a transmissão de HIV, o vírus da AIDS.

O tratamento é relativamente simples, feito por antibióticos. A pessoa e seu parceiro devem ser tratados. O Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe de um teste rápido, capaz de diagnosticar a doença em até 30 minutos.
A principal forma de transmissão da sífilis é pelo contato sexual e por isso o uso da camisinha é a melhor arma de prevenção. Em outubro deste ano, o Ministério da Saúde iniciou novas campanhas publicitárias para alertar a população dos perigos da doença e orientar quanto à prática do sexo seguro
Pesquisas revelam que o uso de preservativos tem diminuído no Brasil nos últimos anos. De acordo com dados do Ministério da Saúde divulgados em 2015, 45% da população sexualmente ativa do país não havia usado preservativo nas relações sexuais nos últimos 12 meses. Os dois motivos alegados pela maioria das pessoas é que a camisinha 'reduz o prazer' e que existe confiança no parceiro. Como resultado, o número de casos de DSTs voltou a crescer.
O uso do preservativo começou a se intensificar após a descoberta do vírus HIV, na década de 1980. Neste período o HIV era considerado fatal. Com o aumento da prevenção, a sífilis se tornou uma doença cada vez mais incomum no Brasil e no mundo. A partir dos anos 2000, novos tratamentos para a AIDS começaram a surgir e a população passou a se preocupar menos com o uso de preservativos. A partir dos últimos cinco anos, o número de casos voltou a subir. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia, os brasileiros de 13 a 15 anos são os que menos se protegem na hora da relação sexual.
A diminuição do uso do preservativo não acontece apenas no Brasil. Ela é uma tendência global e está causando o reaparecimento de antigas DSTs nos Estados Unidos e na Europa.
Além da mudança comportamental da população, outro fator que contribuiu para a atual epidemia de sífilis é o desabastecimento da penicilina benzatina do mercado. Esse antibiótico é essencial para o tratamento de sífilis e está em falta em muitos postos de saúde e hospitais públicos. Em janeiro, um levantamento feito pelo Ministério da Saúde apontou que 60,7% dos estados brasileiros relatavam desabastecimento de penicilina. Essa situação dificulta o tratamento de infectados. Também faltam recursos para o diagnóstico da doença, feito por exames laboratoriais.
Há ainda mais um fator para preocupação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que três das DSTs mais comuns estão ficando intratáveis: sífilis, clamídia e gonorreia. O problema é o uso inadequado e exagerado de medicamentos. As bactérias responsáveis por essas doenças estão se tornando cada vez mais resistentes aos antibióticos utilizados no tratamento. A OMS recomenda uma mudança nos tratamentos para essas doenças, como o uso do antibiótico certo para cada caso e em doses mais controladas do que se tem usado até agora.

Biologia: Estudos sobre autofagia das células abrem fronteiras para a medicina

Pontos-chave

O vencedor do prêmio Nobel de Medicina de 2016 foi o biólogo japonês Yoshinori Ohsumi. Ele fez pesquisas fundamentais para decifrar os mecanismos da autofagia.

Autofagia é o processo pelo qual a célula consegue digerir seu próprio conteúdo. Pesquisadores concluíram que a autofagia não induz à morte e seria um mecanismo de sobrevivência das células. Sua função é digerir os componentes celulares danificados, como se fosse uma usina de reciclagem.

A autofagia é acionada por estímulos externos. A célula começa a produzir proteínas que se ligam umas às outras até formar membranas chamadas de autofagossomos. A membrana envolve os componentes celulares a serem eliminados.

A autofagia tem um papel duplo: ajuda a sobreviver e a eliminar células de todo tipo, saudáveis ou tumorais. Estudos sobre esse mecanismo são cruciais para entender como prolongar a vida das células sadias e reduzir a das tumorais. 
Você sabia que as nossas células possuem a capacidade de autodigestão e que isso acontece o tempo todo? Esse foi o tema de pesquisas do vencedor do prêmio Nobel de Medicina de 2016, o biólogo japonês Yoshinori Ohsumi, professor do Instituto Tecnológico de Tóquio. Ele foi laureado por suas contribuições para a pesquisa sobre os mecanismos da autofagia - processo biológico em que as células digerem a si mesmas e se renovam, eliminando e reaproveitando proteínas. "Hoje ainda temos mais questões sobre a autofagia para esclarecer do que quando comecei", declarou o cientista à imprensa.

A palavra autofagia vem do grego e significa “comer a si mesmo”. O processo foi detectado pela primeira vez na década de 1960. Na época, pesquisadores observaram que as células do corpo são capazes de destruir determinados componentes internos por meio da produção de algumas proteínas. Mas até o início dos anos 1990, quase nada se sabia sobre esse processo, que ainda era visto como de pouca importância. 

A partir de 1988, Yoshinori Ohsumi começou a estudar as células de leveduras, organismos unicelulares usados na fabricação de pão, vinho e cerveja. O biólogo identificou a autofagia nesses organismos e mostrou que o mesmo sistema funcionava no corpo humano. Ele ainda descobriu 15 genes responsáveis pelo processo de autodestruição seletiva de componentes das células, o que levou a pesquisa sobre o tema para um novo patamar.

A partir dos genes, os especialistas conheceram quais são e como interagem as proteínas que levam adiante esse mecanismo de limpeza celular. Os resultados desses estudos mostraram que a autofagia é controlada pela produção em cascata de proteínas e complexos proteicos, cada um deles responsável pela regulação de um estágio específico. 

Em um modelo simples, a autofagia é acionada por estímulos internos ou externos: mudanças ambientais, substâncias químicas, causas patológicas (vírus, radiação), um defeito celular ou condições adversas, como a privação de alimentos.

Sob estímulo, as células entram em autofagia e começam a produzir proteínas que se ligam umas às outras até formar membranas chamadas autofagossomos. Essas membranas envolvem os componentes celulares a serem eliminados antes de causarem problemas. Em seguida, esse conteúdo é digerido por enzimas produzidas pelo lisossomo, organela que atuaria como um “compartimento de reciclagem”. Ao participar da linha de desmontagem celular, essas estruturas levam adiante a transformação de resíduos em matéria- prima para moléculas novas.

Mas por que existe esse mecanismo biológico? Inicialmente, os pesquisadores achavam que o ele seria apenas um tipo de morte celular, semelhante ao mecanismo da apoptose (a morte celular geneticamente programada). Com as descobertas, concluíram que a autofagia não induz à morte, mas à sobrevivência e resistência das células, o que passou a ser considerado como um artifício bastante sofisticado dos organismos.

Agora se sabe que a autofagia é essencial para o funcionamento adequado das células. Trata-se de uma função na qual podem destruir toxinas e organismos invasores e prevenir o surgimento de muitas doenças.

A função também é acionada em situações de escassez, como a fome, na qual a célula pode reaproveitar o máximo de nutrientes possíveis, o que regula o metabolismo do corpo e aumenta as chances de sobrevivência.

Como pode ser acelerada ou retardada, a autofagia tornou-se uma estratégia nova para combater doenças e prolongar a vida das células sadias. No campo da medicina, a autofagia abriu perspectivas de novas aplicações para medicamentos, principalmente nos estudos sobre o câncer.

A possibilidade de regular a autofagia a partir de estímulos muito bem definidos é promissora. Cientistas poderão aumentar a eficiência de substâncias químicas que atuam como remédios, no combate a diversos tipos de tumores e doenças.

Um composto químico, por exemplo, pode estimular a produção de proteínas e acionar os processos que levam à morte da célula de um tumor. Em um estudo publicado em 2008 na revista PNAS, pesquisadores italianos mostraram que o lítio poderia acionar a autofagia e adiar a progressão da esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa.

Um estudo da Universidade de Cambridge também revelou que o uso do lítio combinado com o composto rapamicina combate a doença de Huntington, responsável pela perda contínua da funcionalidade dos neurônios. Os resultados sugerem que a autofagia remove proteínas malformadas que atrapalham o funcionamento de células nervosas.

No entanto, a autofagia tem um papel duplo: é capaz de eliminar as células normais e também as tumorais. A falha no processo, a degradação excessiva ou as mutações dos genes da autofagia, podem fazer com que a célula não consiga se livrar de partes defeituosas ou elimine partes saudáveis.

A lesão tecidual que resulta da autofagia defeituosa causa inflamação, infecções e favorece o aparecimento de um tumor. Em casos de desequilíbrios no processo, medicamentos também podem fazer o inverso: bloquear ou inibir a autofagia e abrir caminho para a ação de remédios antitumorais, evitando a lesão de células normais. O desafio é encontrar não apenas o remédio certo, mas a dosagem certa.

Entender o processo de autofagia e como ele pode ser acelerado ou retardado pode contribuir para novas pesquisas e tratamentos de doenças degenerativas, como o Parkinson, o Alzheimer e a diabetes.

Brasil avalia regulamentar a atividade de lobistas: mas o que é e para que serve o lobby?


Pontos-chave

O lobby é a pressão que um grupo organizado ou uma pessoa (lobistas, profissionais remunerados ou voluntários) exerce sobre políticos e o poder público com o objetivo de influenciar as decisões políticas em seu favor. Ele seria um instrumento democrático de representação de interesses.

O Ministério da Transparência busca regulamentar a profissão do lobista. As propostas de regulamentação do lobby no Brasil têm como objetivos dar transparência à defesa de interesses diante do poder público e equilibrar o jogo de interesses em torno dos processos decisórios.
Lobby e lobista são duas palavras que você já deve ter visto mais de uma vez no noticiário político, especialmente com as operações Lava Jato e Zelotes da Polícia Federal. Embora tenha uma conotação negativa no Brasil, por ser muito associada à corrupção, praticar lobby não é ilegal.

Agora, o Ministério da Transparência está tentando regulamentar a atividade no Brasil, o que pode encerrar um debate de décadas no Congresso Nacional. Mas você sabe o que faz um lobista? Que interesses ele defende e qual seu papel no cenário político e econômico?

A palavra “lobby” veio da língua inglesa, na qual significa o salão de entrada de edifícios. Ela começou a ser usada para se designar a atuação de representantes de interesses (os “lobistas”) que esperavam a passagem de tomadores de decisões políticas pelo salão de entrada dos edifícios onde eles se hospedavam ou trabalhavam para apresentar seus pleitos.

O lobby é a pressão que um grupo organizado ou uma pessoa (lobistas, profissionais remunerados ou voluntários) exerce sobre políticos e o poder público com o objetivo de influenciar as decisões políticas em seu favor. Ele seria um Instrumento democrático de representação de interesses.

O lobby lícito pode trazer contribuições positivas para os tomadores de decisão, ao trazer dados, análises, argumentos e informações novas, ajudando-os a ter uma visão mais completa do impacto de uma medida. Ou ainda, ajudar a fomentar o debate e a opinião pública e facilitar o acesso de segmentos sociais a instâncias decisórias. Por exemplo: um grupo da sociedade civil pode levar um abaixo-assinado nos gabinetes dos deputados para apresentar argumentos sobre um determinado tema ou conseguir marcar uma audiência pública para discutir a questão.

Em casos negativos, o lobby pode dar margem ao chamado “tráfico de influência”, onde o decisor acaba tomando uma atitude em troca de vantagem econômica ou concessão de privilégios a interesses determinados. A forte influência de empresários e empresas na atuação dos parlamentares pode ser uma porta de entrada para a corrupção. Por exemplo, uma empresa oferece dinheiro a um deputado através de um lobista para que ele apresente uma emenda que vai favorecer seu negócio o setor. Isso não é lícito e coloca o interesse privado acima do interesse público.

No caso do contraventor Carlinhos Cachoeira, as gravações da Polícia Federal somadas a uma rápida análise da prestação de contas eleitorais dos políticos envolvidos mostra que a quadrilha financiou a campanha da maioria deles. Empresários ligados ao bicheiro fizeram grandes doações às campanhas do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e dos governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Siqueira Campos (PSDB-TO). Demóstenes, por exemplo, foi flagrado num grampo dizendo que defenderia um projeto para legalizar os jogos de azar no país, se Cachoeira quisesse. Ele também aconselhava o contraventor sobre quais projetos poderiam prejudicá-lo.

O lobby por vias legais também pode refletir desequilíbrios, como o favorecimento de interesses especiais. Por exemplo, quando um setor econômico pressiona o governo para ter benefícios tributários especiais, enquanto outros segmentos pagam tributos mais elevados.

Como funciona aqui e o que pode mudar?
No Brasil, a profissão de lobista possui um forte estigma negativo, alimentado pela visão de atividades ilícitas. Hoje, segundo a Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais), entidade representativa dos lobistas, há mais de 2.000 profissionais do setor no país, atuando em escritórios de advocacia, consultorias, assessorias de comunicação ou dentro das próprias empresas interessadas. Mas a falta de regras que especifiquem o que pode e não pode ser feito abriu espaço para a corrupção. Este é um dos argumentos utilizados para regulamentar a atividade no país.

A ideia do Ministério da Transparência é que os lobistas passem a ser identificados e credenciados para atuar em prol de empresas e entidades no governo brasileiro com mais transparência. Para isso, seria instituído um cadastro ou registro público dos lobistas que circulam pelos órgãos do governo, indicando para qual empresa ou entidade cada um atua, e quais interesses ou objetivos representam.

O ministro da Transparência, Torquato Jardim, defendeu a regulamentação da atividade no Brasil em uma audiência pública da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) na Câmara dos Deputados, no início de outubro. Na sessão, o ministro apresentou o relatório do Grupo de Trabalho criado para propor mudanças à regulamentação do lobby.

O grupo definiu três pontos que devem ser considerados para a atividade: 1) que ela aconteça de forma organizada (por canais institucionais estabelecidos, com representantes identificados e procedimentos transparentes; 2) que seja feita por grupos de interesse definidos e legítimos; 3) que a atividade seja exercida dentro da lei e da ética, com regras para recebimento de presentes ou qualquer tipo de benefícios por agentes públicos. Outra proposta é alterar a palavra lobby para “relações governamentais” ou “representação social”.

Outros pontos já são consenso entre quem defende a regulamentação. Por exemplo, a obrigatoriedade de disponibilizar na internet as agendas das reuniões entre os agentes públicos e privados, assim como o cumprimento de uma quarentena pelos funcionários públicos que desejarem trabalhar como lobistas.

No Congresso, três PECs (Proposta de Emenda à Constituição) sobre a regulamentação da atividade estão tramitando. Elas estabelecem prerrogativas aos lobistas, como a possibilidade de debater temas nas comissões do Legislativo e apresentar emendas a projetos, além de prever restrições e a responsabilização desses profissionais por ato de improbidade administrativa.

Outros países
Os Estados Unidos são o país onde o lobby é legalizado há mais tempo, o que ocorreu por uma lei de 1995 que determina em quais situações as empresas ou organizações (norte-americanas ou estrangeiras) devem registrar na Câmara e no Senado quem fará lobby sobre o Congresso e o governo.

Sendo assim, os interessados no lobby devem registrar em um formulário os temas sobre os quais têm interesse, quem serão os lobistas, quanto pretendem gastar com a causa e quais setores do governo pressionará. Com mais de 11.000 lobistas registrados, estima-se que nos EUA o lobby movimente US$ 3,2 bilhões por ano. Ainda pela lei, os políticos não podem receber nenhum presente ou “agrado” com valor superior a 250 dólares por ano.

Mas há modelos diferentes de praticar a atividade. No Parlamento Europeu e na Comissão Europeia, desde 2011 os lobistas podem se registrar voluntariamente. Já na Austrália, por lei, o cadastro é obrigatório. No Canadá, a exigência só se aplica aos lobistas remunerados. No Reino Unido, algumas associações de classe divulgam as listas de profissionais que atuam em seu nome nos bastidores da política.

A regulamentação do lobby pode funcionar como uma forma de combater a corrupção e o clientelismo político-partidário no país, bem como aumentar a igualdade de acesso às instituições decisórias aos membros da sociedade, reforçando a democracia participativa. No entanto, serão necessárias regras efetivas para que, mesmo regulamentada, a atividade não beneficie apenas quem tiver melhores condições econômicas.

Racismo nos EUA: mortes de negros por policiais acirram tensão racial

Pontos-chave

As recentes mortes de negros pela violência policial reacenderam as tensões raciais nos Estados Unidos.

No país, estatísticas mostram que pessoas negras têm maior probabilidade de serem mortas pela polícia do que brancos.

O movimento civil Black Lives Matter contribuiu para dar visibilidade ao problema.

O racismo é um problema histórico dos Estados Unidos. No início do século 20, negros e brancos viviam em uma sociedade completamente segregada. A situação era mais grave nos estados do sul.

Nas décadas de 1950 e 1960 o Movimento pelos Direitos Civis lutou pela igualdade e pelos direitos da população negra.
Em setembro de 2016, a morte de dois homens negros desarmados nos estados de Oklahoma e na Carolina do Norte causaram comoção e revoltas nos Estados Unidos. Na cidade de Charlotte (Carolina do Norte), depois de três noites de protestos barulhentos nas ruas, foi instaurado o toque de recolher e declarado o estado de emergência.

Esses são os exemplos mais recentes de uma sucessão de casos no ano que mantém acesa a polêmica sobre a existência de racismo institucional entre as forças de segurança dos Estados Unidos. A questão está cada vez mais em debate no país. A abordagem policial é diferente por causa da cor da pele de uma pessoa?

Casos como esses inspiraram a criação do movimento civil Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), que combate a violência policial contra os negros e luta pelos direitos humanos da comunidade negra. Criado em 2013, o movimento ganhou repercussão em todos os EUA.

Segundo os ativistas, o racismo ainda é um drama cotidiano e os abusos de autoridade no país em relação aos cidadãos negros são frequentes. Exemplos são muitos, como o uso excessivo da força, casos em que homens negros são detidos ilegalmente pela polícia por terem um farol do carro quebrado, ou crianças negras que são abordadas por brincarem com armas de brinquedo.

O Black Lives Matter obteve grande visibilidade no noticiário internacional e nas redes sociais, que popularizaram o slogan do movimento. Na internet, é comum o uso da hashtag #BlackLivesMatter quando surge um novo caso de morte de negros por policiais e que foi considerado injusto.

Manifestações nas ruas e o apoio de artistas como Beyoncé, Jay-Z, Kanye West e Drake também foram fundamentais para a visibilidade da causa. No início deste ano, a cantora Beyoncé publicou uma carta aberta no seu site oficial criticando a polícia: “Estamos fartos e cansados dos assassinatos de homens e mulheres jovens em nossas comunidades. Depende da gente tomar posição e exigir que eles parem de nos matar. Nós não precisamos de compaixão. Precisamos que todos respeitem nossas vidas”.

O primeiro grande protesto do movimento BLM aconteceu em 2014, após a morte do jovem Michael Brown, na cidade de Ferguson, no estado do Missouri. Ele estava desarmado quando foi alvejado pela polícia. O episódio deu origem a protestos em todo o país e abriu um debate público que expôs o racismo que continua a existir na sociedade norte-americana.

As estatísticas fundamentam a disparidade no uso da força policial nos Estados Unidos e revelam que pessoas negras têm maior probabilidade de serem mortas pela polícia do que brancos. Segundo dados do FBI, em 2015, 37% das pessoas desarmadas mortas pela polícia americana eram negras, embora os afro-americanos representem aproximadamente 13% da população.

Já o estudo Mapping Police Violence aponta que negros têm até três vezes mais chances de serem mortos por policiais do que brancos. Em casos de mortes em que a vítima não estava armada, essa possibilidade é de até cinco vezes maior.

Nesse debate, o presidente Barack Obama assumiu um importante papel. Em 2008, Obama foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O fato de um homem negro assumir a presidência foi considerado por muitos como o início de uma nova era nas relações raciais. Mas as desigualdades persistem. Os negros também formam a maior parte da população em situação de pobreza (24%) e têm uma escolaridade menor do que brancos.

Apesar de Obama representar um importante símbolo, o racismo ainda é uma ferida aberta nos EUA. A organização The Southern Poverty Law Center, uma das mais importantes do país especializada em direitos civis, fez um levantamento no qual mapeou a existência de 892 “grupos de ódio” no país em 2015. Destes, 190 são ligados à Ku Klux Klan, organização racista que hoje se define como um movimento político.

Segundo a organização, houve um aumento no número de grupos racistas desde a virada do último século. Ao contrário do Brasil, nos EUA não é crime divulgar conteúdo racista. Os motivos desse aumento seriam o intenso fluxo de imigrantes (especialmente de latino-americanos) e as projeções demográficas que mostram que os Estados Unidos estão passando por uma transformação social e se tornando um país cada vez mais multirracial. A estimativa é de que, em 2040, os brancos não serão a maioria da população norte-americana.

Uma história de luta por direitos
A segregação racial marcou a história dos Estados Unidos e se tornou um assunto fundamental para entender a formação desta nação. O território norte-americano foi colonizado principalmente pelos ingleses, que instauraram o regime de escravidão na colônia, com o trabalho escravo de africanos. Com a Declaração da Independência (1776), os americanos criaram o primeiro Estado democrático sob os ideais da liberdade e da igualdade. Apesar disso, a abolição só aconteceu no século 19, como um dos desdobramentos da Guerra de Secessão (1861 – 1865).

Na sangrenta Guerra de Secessão, a questão racial foi um dos fatores centrais. Os estados americanos do norte tentaram abolir a escravidão nos estados do sul - cujo sistema de plantation era dependente da mão de obra negra e escrava. Contrariados, os sulistas resolveram se separar do resto do país e formaram a Confederação Americana, que foi derrotada.
Após a abolição, os negros continuaram a ser considerados inferiores e colocados em uma posição subordinada. Também eram proibidos casamentos inter-raciais e as lideranças políticas faziam de tudo para impedir a população negra de ter acesso ao voto e a cargos de liderança.

No final do século 19, uma organização chamada Ku Klux Khan ganhou milhares de adeptos e o apoio da aristocracia sulista. A organização pregava a supremacia branca e agia com violência para perseguir famílias negras. Praticavam crimes de ódio que espalharam medo pelos estados do sul, como o linchamento, a tortura, assassinatos e incêndios. Os enforcamentos de negros no sul viraram tema da canção "Strange Fruit" (Fruta estranha), imortalizada pela cantora de jazz Billie Holiday (1915-1959).

Em 1869, um júri federal classificou a Ku Klux Khan como uma organização terrorista. Foi então aprovada uma lei, conhecida como Civil Rights Act, na qual crimes raciais passaram a ser julgados em âmbito federal. Apesar disso, a partir de 1876, os estados do sul começam a aprovar leis estaduais que buscavam impor a segregação racial em ambientes públicos.

Na prática, no início do século 20, negros e brancos viviam em uma sociedade completamente segregada. A situação era mais grave nos estados do sul, onde negros e brancos eram proibidos de estudar nas mesmas escolas, frequentar as mesmas igrejas e compartilhar bebedouros ou espaços em trens e ônibus. Por exemplo, um negro só podia se sentar num ônibus se todos os brancos estivessem sentados.

A partir da década de 1950 começa o Movimento pelos Direitos Civis, que lutou pela igualdade de direitos da população negra. Em 1954, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas. No ano seguinte, a costureira Rosa Parks se negou a ceder seu lugar no ônibus a um homem branco em Montgomery, no Alabama.

Seu protesto desencadeou um movimento de boicote de mais de um ano ao transporte coletivo na cidade, no qual se destacou o pastor batista Martin Luther King. O protesto culminou com uma resolução da Justiça que tornou ilegal os ônibus segregados na cidade. O movimento pelos direitos civis da população negra ganhava as ruas, também apoiado por militantes vindos dos estados do Norte.

Em 1963, cerca de 250 mil pessoas marcharam em Washington pelo fim da segregação racial, no evento que ficou conhecido como a Marcha de Washington. O ponto alto foi o discurso do reverendo Martin Luther King, considerado como um dos episódios mais marcantes da luta contra o preconceito.

“Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. No ano seguinte, foi promulgada a Lei dos Direitos Civis, que proibiu a discriminação racial nos EUA.

Tecnologia: moeda virtual é o dinheiro do futuro?

Pontos-chave

No século 21, novas tecnologias prometem acabar com o dinheiro físico. A tendência é que, nos próximos anos, a sociedade caminhe para um mundo em que não haverá circulação de dinheiro físico e que sejam usadas cada vez mais transações eletrônicas e moedas virtuais.

O Bitcoin é uma moeda virtual que ganha cada vez mais popularidade. Em vez de existir uma instituição financeira responsável pelas transações, todas as trocas monetárias ficam no livro de registro virtual Blockchain.

Por representar riscos ao controle de fluxos financeiros, países estão tentando criar barreiras para a circulação desse tipo de moeda.

O dinheiro é um símbolo e meio de troca. E também resultado de uma longa evolução. Ao longo da história, a humanidade já usou todo tipo de objetos como moeda: búzios na Arábia, sementes nas Ilhas Salomão, conchas na Suméria.

Na Roma Antiga, o pagamento dos soldados era feito com uma porção de sal. Daí surge a palavra “salário”. No Ocidente, antes de aparecer a cédula impressa, as moedas usadas eram geralmente o ouro, a prata e o cobre.

No início do século 20, os governos nacionalizaram a própria moeda, e o Banco Central de cada país tomaria o papel de criar, implantar e assegurar o suprimento e o destino do dinheiro. Depois que as cédulas são impressas, o dinheiro é repassado pelo governo aos bancos, que o distribui para pessoas e empresas.

Com o surgimento da computação foram inventadas as moedas virtuais, uma forma de dinheiro que não existe fisicamente, ou seja, não é impressa em papel. Cartões de crédito e meios de pagamento online como PayPal e aplicativos para celular são considerados dinheiro virtual, mas que utilizam moedas tradicionais para realizar as transações de pagamento (como o real, euro, libra ou dólar).

No século 21, novas tecnologias e modelos prometem acabar com o dinheiro da forma como você conhece. A tendência é que, nos próximos anos, a sociedade caminhe para um mundo em que não haverá circulação de dinheiro físico.

Em 2015 o dinheiro vivo foi o principal meio de pagamento no mundo. Países da Europa já começam a se preparar para uma nova fase, com menos dinheiro em espécie. Na Suécia, já existem lojas que não aceitam dinheiro.

Este ano, por exemplo, apenas um quinto de todos os pagamentos de consumidores na Suécia foi feito em dinheiro. Já a Dinamarca anunciou que quer se tornar o primeiro país do mundo a eliminar oficialmente a circulação de dinheiro físico.

Os dois países argumentam que é mais fácil fiscalizar o dinheiro eletrônico e assim evitar problemas como a lavagem de dinheiro, a sonegação de impostos gerados pela economia informal e o caixa dois de empresas.

A escalada do Bitcoin
A mudança mais significativa na tecnologia financeira é atribuída às moedas virtuais criptografadas. O maior destaque é o Bitcoin, que pode ser usado para comprar produtos e serviços na internet e em estabelecimentos físicos conectados à rede.

Atualmente é possível comprar quase tudo com bitcoins: eletroeletrônicos, roupas, livros, alimentos. Nos Estados Unidos, até apartamentos e casas já foram vendidos dessa forma.  Em Berlim, na Alemanha, existe um bairro conhecido como bitcoinkiez ("bairro do bitcoin", em alemão), em que todo o comércio local (restaurantes, bares e lojas) está disposto a receber na moeda virtual.

O Bitcoin surgiu em 2008 e sua criação é atribuída a um programador conhecido sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto. A moeda entrou para a história e revolucionou o setor por ser o primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado.

Imagine fazer transferências na internet com a mesma facilidade com que se envia um e-mail. O modelo Bitcoin permite realizar transações financeiras de forma direta, sem a necessidade de um intermediário. Um sistema que pode acabar de vez com o banco físico.

Para o usuário, a maior vantagem da descentralização seria a compra e venda com taxas mais baratas do que a de um banco tradicional ou uma empresa de cartão de crédito. Existem ainda usuários que não querem depender das políticas monetárias do governo ou de bancos, e aqueles que buscam fazer uma reserva de valor, sem ficar expostos a riscos como o confisco do dinheiro pelo Estado durante crises financeiras.

O sistema de bitcoins não é controlado por nenhum Banco Central ou instituição bancária, mas por criptografia. É por isso que essa invenção também pode ser chamada de “criptomoeda”. Desde então, outras moedas similares surgiram no mercado.

O controle descentralizado está relacionado ao uso do Blockchain, uma tecnologia de banco de dados que é semelhante a um livro de registros virtual. Não existe um “dono” do sistema, que é aberto a qualquer um.

A Blockchain grava todas as transações realizadas com Bitcoins e garante que uma unidade da moeda não seja utilizada duas vezes. Isso faz com que a moeda virtual não seja falsificada. Cada moeda digital está numerada e todas as transações são públicas e podem ser visualizadas pela comunidade. Na prática, a Blockchain funciona como um livro público, que regula o envio e o recebimento da moeda.

Quem quiser usar o Bitcoin precisa se cadastrar em algum dos sites que trocam dinheiro real por bitcoins, como se fossem uma agência de câmbio. Depois, basta criar uma conta com um código pessoal criptografado e comprar o Bitcoin. O dinheiro fica guardado no computador de cada um, como se fosse um arquivo ou um software.

O modelo é similar ao das redes P2P, usadas para compartilhamento de arquivos na internet. Por isso, controlar a moeda virtual, como fazem os bancos centrais com a moeda real, é muito difícil.

No início, o Bitcoin valia apenas alguns poucos centavos e seu uso estava restrito a um grupo de entusiastas da tecnologia. Mas logo sua popularidade cresceu e a moeda foi se valorizando, atraindo também grandes investidores. Hoje, o Bitcoin tem um grande valor de mercado. Para se ter uma ideia, até a data de fechamento deste texto, o valor de compra de 1 Bitcoin equivale a quase R$ 2 mil.

Quem “fabrica” esse dinheiro? Quem coloca o Bitcoin no mercado são usuários chamados de “mineradores”, que cedem voluntariamente a capacidade de seus computadores via internet para verificar as transações no Blockchain e manter o sistema e funcionando. Em troca, são premiados com bitcoins.

Mas como manter o valor da moeda estável? É preciso que uma moeda seja escassa para que tenha valor e não gere inflação. O Bitcoin foi projetado de modo a ser finito. Isso porque é baseado em fórmulas matemáticas, diferente da moeda tradicional, que é lastreada em ouro e prata. Uma pessoa não pode gerar a moeda infinitamente. Tanto que o sistema do Bitcoin prevê que o máximo de moeda circulando será de 21 milhões de unidades, o que deve acontecer por volta de 2140.

Críticas e riscos ao modelo do Bitcoin
O Bitcoin é baseado em um software de código aberto que permite o anonimato dessas pessoas. Em alguns aplicativos de "carteira virtual" é preciso ter uma conta de e-mail para fazer o registro, já outros (a maioria) não é necessário nenhum tipo de identificação.

Devido a essa dificuldade de rastrear os usuários e oferecer anonimato, a moeda virtual pode estimular o comércio de produtos ilegais. Tanto que o Bitcoin tornou-se a principal moeda dos sites de comércio ilícito na internet profunda (a deep web), com a venda de drogas e armas e atividades de lavagem de dinheiro. Mas a polícia pode identificar o usuário se encontrar o IP dela ou se ela fez qualquer transação de bitcoins em casas de câmbio.

Em 2013, por exemplo, o FBI prendeu o criador do Silk Road, site que funcionava como um grande portal de venda de drogas na internet. As transações eram todas feitas em bitcoins. O site foi fechado e mais de 150 mil bitcoins foram apreendidos pela polícia - o equivalente a 100 milhões de dólares na cotação de março de 2013.

Existe ainda o risco de uma conta ser hackeada. Em 2014, a Mt. Gox, considerada na época como a principal “bolsa de valores” do Bitcoin, entrou em colapso e perdeu 500 milhões de dólares. O motivo? Um ataque hacker ao seu sistema. Em 2016, A Bitfinex, empresa de Hong Kong especialista em gestão de moedas virtuais, reconheceu que uma falha de segurança em suas plataformas permitiu o roubo de 119.756 bitcoins, avaliados em 65,8 milhões de dólares.

O fato de não estar atrelada a governos e bancos faz com que o Bitcoin esteja fora do controle de fiscalização e flutuações cambiais. Por esses motivos, representantes dos bancos centrais afirmaram que a adoção de criptomoedas é um grande desafio para a habilidade dos bancos em influenciar o preço do crédito (juros) para a economia. Ou seja, a adoção em massa dessas moedas poderia enfraquecer o papel do Banco Central como regulador do mercado.

Por representar riscos ao controle de fluxos financeiros, países como a China, Rússia e a Índia estão tentando criar barreiras para a circulação desse tipo de moeda. E como são um fenômeno recente, as moedas virtuais possuem poucas leis que as regulamentam. A legislação mundial sobre o assunto ainda está em construção e deve se consolidar nos próximos anos.

Recentemente, uma juíza federal dos Estados Unidos decidiu que o Bitcoin se qualifica como dinheiro, em ação penal que versava prática de atividade financeira por pessoa não autorizada. No Japão, o governo estabeleceu que os lucros e processos de compra relacionados ao Bitcoin devem estar sujeitos à cobrança de impostos e monitoramento do Estado.

Síria vive uma "miniguerra mundial": quem são os protagonistas desse conflito?

Pontos-chave

A guerra civil da Síria começou em 2011 com protestos antigoverno que foram reprimidos de maneira sangrenta pelo regime. A revolta popular deu origem a uma guerra civil entre as forças leais ao presidente Bashar al-Assad e oposicionistas.

Hoje o conflito se multiplicou e envolve centenas de grupos armados: forças do governo sírio, rebeldes, curdos, radicais islâmicos e potências estrangeiras.

De um lado, Rússia e Irã apoiam o governo da Síria. De outro, os Estados Unidos e países europeus apoiam os rebeldes que buscam derrubar o governo do presidente sírio Bashar al-Assad.

A Turquia apoia os rebeldes contra o presidente sírio e ataca tropas curdas próximas a sua fronteira.

Em comum, todos lutam contra os radicais do Estado Islâmico.

Analistas avaliam que a atuação de liderança da Rússia e dos Estados Unidos lembra o período da Guerra Fria.
Imagens brutais de vítimas civis da guerra da Síria assombraram os noticiários do mundo inteiro no mês de setembro e jogaram os holofotes para a situação atual do país. No ataque, os dois principais hospitais do leste da cidade de Aleppo foram bombardeados. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, classificou os ataques como "crimes de guerra".

Quem estava por trás do bombardeio da cidade de Aleppo não era o exército do presidente sírio Bashar al-Assad, mas as tropas russas, que buscavam alvos nos bairros controlados pelos rebeldes. Mas o que está acontecendo na Síria?

Depois de 5 anos e meio de guerra civil, ao menos 250 mil sírios morreram e 11 milhões de pessoas tiveram que deixar suas casas e engrossar as filas de refugiados que buscam abrigo em outros países, segundo dados da ONU e do Observatório Sírio de Direitos Humanos. Milhares deles fazem parte da mais recente crise migratória na Europa.

A guerra civil da Síria começou em 2011 com protestos antigoverno que foram reprimidos de maneira sangrenta pelo regime. A revolta popular deu origem a uma guerra civil entre as forças leais ao presidente Bashar al-Assad e oposicionistas.  O presidente sírio continua a lutar com o objetivo de reaver o controle sobre todo o país.

Hoje o conflito se multiplicou e envolve forças do governo sírio, rebeldes, radicais islâmicos e potências estrangeiras. O jornal The Washington Post descreveu o que ocorre hoje na Síria como uma "miniguerra mundial". Entenda os principais protagonistas desse conflito hoje.

Estado Islâmico
O conflitou se agravou com a entrada no território dos militantes radicais do Estado Islâmico (EI), que se aproveitaram da instabilidade na região para fazer ofensivas relâmpago, conquistando rapidamente novos territórios. O grupo jihadista foi criado em 2013 e cresceu como um braço da organização terrorista al-Qaeda no Iraque. O EI atacou povoados e cidades e declarou um califado na região entre o Iraque e Síria. O grupo luta para derrubar o governo de Bashar al-Assad e expandir seus domínios. Para isso, usa táticas brutais como assassinatos em massa e decapitações. Além de importantes cidades, o EI domina reservas de petróleo, represas, estradas e fronteiras.

O Estado Islâmico une os lados opostos neste conflito: derrota-lo é o único objetivo que os rebeldes, o governo sírio e potências estrangeiras têm em comum. Analistas internacionais avaliam que a tendência é que em breve os militantes do Estado Islâmico fujam do Iraque e Síria rumo ao Líbano.

Estados Unidos e Europa
Desde 2014 os Estados Unidos realizam uma intervenção militar no país. Para isso, o país criou uma coalizão internacional responsável por ataques aéreos no Iraque e na Síria.
O Estado Islâmico é o principal alvo dos EUA. O presidente Barack Obama declarou que pretende destruir a força bélica do Estado Islâmico e defende a saída do presidente sírio como medida imprescindível para derrotar o grupo. Os norte-americanos ainda não enviaram soldados ao combate, como já fizeram no Iraque e Afeganistão, mas possuem tropas para treinar e fornecer armamentos a forças rebeldes locais.

A coalizão internacional liderada pelos EUA é chamada de Forças Democráticas Sírias (FDS), e conta com milícias de combatentes árabes, cristãos e curdos. As FDS combatem os extremistas do grupo EI e buscam estabelecer uma Síria democrática no futuro.

A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) também realiza operações militares na Síria, mas de uma forma mais modesta. A aliança militar congrega países da Europa e da América do Norte.

Rússia
A intervenção militar da Rússia começou em setembro de 2015, quando o presidente Vladimir Putin enviou bombardeiros, helicópteros e mísseis de cruzeiro em apoio às Forças Armadas do presidente Bashar al-Assad. A Síria representa a primeira intervenção militar das Forças Armadas russas fora de suas fronteiras desde a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão, em 1989.

O governo russo justifica a intervenção no país afirmando que apoia o governo de Bashar al-Assad (tradicional aliado do Kremlin) e que grupos terroristas constituem uma ameaça para a Rússia. O temor é que extremistas islâmicos dominem a Síria e, em seguida, espalhem sua influência para além do Oriente Médio. Além disso, a Rússia tem o interesse de manter a base naval de Tartus, encravada no litoral sírio. A base é considerada estratégica por sua localização no mar Mediterrâneo.

A Rússia tem sido alvo de críticas dos EUA e de países membros da OTAN por seus ataques aéreos. Já o governo russo nega a morte de civis. “Apesar de toda a gente nos acusar disso, não há qualquer prova que bombardeamos civis. É falso", declarou Dmitri Medvedev, primeiro-ministro da Rússia.

Em setembro, outro episódio esfriou as relações entre Rússia e EUA. Um comboio de ajuda humanitária da ONU ficou sob fogo armado em Aleppo, na Síria. Como resultado, 20 pessoas morreram e foram destruídos caminhões com medicamentos para os moradores da cidade ocupada. Militares americanos acusam os russos e forças sírias de abrirem fogo contra o comboio. Os porta-vozes oficiais russos, porém, negam.

A relação da Rússia e da OTAN na Síria é lembrada por muitos como uma herança da Guerra Fria, período conhecido pela tensão entre a União Soviética e seus rivais ocidentais. "A política da OTAN em relação à Rússia é pouco amistosa e, para ser sincero, parece que estamos a mover-nos rapidamente para um período de nova Guerra Fria”, declarou o primeiro-ministro russo.

Curdos
Os curdos são um grupo étnico e constituem a mais numerosa população sem um Estado no mundo. Apesar disso, sentem-se parte do Curdistão, território geocultural que engloba regiões de países como Iraque, Turquia, Irã, Síria e Armênia.

Na Síria, os curdos formam cerca de 10% da população, totalizando dois milhões de pessoas, mas nem sempre são tratados com igualdade pelo resto da população e administrações anteriores.

As forças armadas curdas combatem o Estado Islâmico. Parte dos curdos pertence à milícia Unidade de Defesa Popular, conhecida como YPG. Desde o início da luta contra o EI, diversas vitórias da coalizão internacional liderada pelos EUA contaram com ajuda dos curdos.

Turquia
A Turquia faz fronteira com a Síria. Sua maior preocupação é manter a segurança de seus limites territoriais e evitar o fluxo de armas e insurgentes. O país apoia os rebeldes que lutam contra o Estado Islâmico, mas também quer paralisar o avanço de combatentes curdos.

Os grupos rebeldes apoiados pela Turquia são formados por árabes sírios e turcos que lutam sob a bandeira do Exército Livre da Síria. Esse grupo faz oposição ao governo do presidente Bashar al-Assad e tenta derrubá-lo.

A milícia curda YPG, apoiada pelos Estados Unidos, é vista como inimiga da Turquia. Para o governo turco, a YPG é um grupo terrorista considerado uma extensão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que é proibido na Turquia.

Os turcos combatem há três décadas a insurgência curda no sudeste do país. Por isso, eles temem que ganhos da YPG na Síria fortaleçam os militantes do PKK no território turco.

Apesar de negar oficialmente que enviou tropas para a Síria, o exército da Turquia divulgou que realizou bombardeios contra alvos do YPG no norte sírio.  O temor do governo turco é que o grupo armado domine as cidades próximas à fronteira assim que o EI for expulso e declare-as como um território autônomo, aumentando a tensão entre o governo turco e os curdos.

Os Estados Unidos e a Europa consideram o PKK um grupo terrorista, mas enxergam a YPG como uma entidade separada e forte aliada no conflito sírio. Essa divergência causou tensões com a Turquia, país membro da OTAN.

O primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, declarou que se preocupa com a formação de um "corredor do terror" na fronteira. "Estamos ali para proteger nossa fronteira, dar segurança de vida e propriedade para nossos cidadãos e assegurar a integridade da Síria. Nunca permitiremos a formação de um Estado artificial no norte da Síria."

A Turquia ainda possui uma posição chave no conflito. Depois que a Turquia abateu um avião russo, a Rússia impôs sanções comerciais sobre o país. A OTAN também se posicionou contra o avanço militar russo e causou uma tensão diplomática. Após a recente tentativa de golpe na Turquia, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan reclamou da falta de apoio do Ocidente. Agora Rússia e Turquia tentam reaproximar as relações.

Irã
O Irã é uma potência regional e aliado histórico do governo de Assad. O presidente iraniano Hassan Rohani disse que apoia o governo da Síria na luta contra os rebeldes, considerados terroristas. O Irã também se opõe ao Estado Islâmico. O EI é uma milícia sunita que vê os persas como hereges que devem morrer.

O país já participou de ataques contra rebeldes ao lado da Rússia. Para o Irã, a subordinação de Assad é chave para impor freio à influência de seu grande rival na região, a Arábia Saudita.

Arábia Saudita e países do Oriente Médio
A Arábia Saudita integra desde o início a coalizão liderada pelos EUA para atacar o EI. Também se opõe a Bashar Al-Assad e apoia rebeldes sunitas. O país está disposto a enviar tropas por terra.

Recentemente a Arábia Saudita rompeu relações com o Irã. Os dois países disputam a influência regional no Oriente Médio. Em várias ocasiões, ficaram em lados opostos de disputas, como na guerra civil da Síria.

Outros países do Oriente Médio integram a coalizão liderada pelos EUA: Bahrein, Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos. Já Israel apoia a queda do governo de Bashar al-Assad, aliado do Irã e do grupo xiita libanês Hezbollah (tradicional inimigo de Israel).

Religião: o que o burquíni tem a ver com Estado laico e laicismo?
Pontos-chave

A proibição do uso do burquíni em praias francesas tem sido defendida na França a partir de dois argumentos: a defesa do Estado laico e a defesa da libertação do corpo das mulheres.

Um Estado laico é aquele que não possui uma religião oficial e pratica a separação jurídica e política entre Estado e religião. Ou seja, defende a autonomia e a não interferência de crenças religiosas ou espirituais nas instituições públicas.

Existem dois tipos de laicidade: a neutra e a pluriconfessional. O Estado laico neutro veta todo e qualquer símbolo e discursos religiosos nos poderes e instituições públicas. Já a laicidade pluriconfessional traz o respeito à diversidade religiosa e brechas para que elas influenciem em doutrinas do Estado.

A laicidade pluriconfessional é mais próxima do que é praticado no Brasil hoje. O Brasil é um Estado laico e a Constituição Federal garante a liberdade de pensamento e a liberdade religiosa como um direito constitucional.
Desde julho de 2016, mais de dez cidades da França decretaram a proibição do uso do burquíni em suas praias. O burquíni é o traje de banho usado por mulheres muçulmanas e que cobre o corpo da cabeça aos pés. Ele surgiu recentemente na moda e hoje representa uma opção para mulheres muçulmanas que não se sentem confortáveis em exibir partes do corpo na praia ou que são proibidas de fazê-lo pela religião.

A proibição dessas vestimentas em espaços públicos tem sido defendida na França a partir de dois argumentos: a defesa do Estado laico e a defesa da libertação do corpo das mulheres.
O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, declarou que a peça de vestuário não é compatível com os valores da França. Segundo ele, seu uso afronta a laicidade do país. “As praias, como qualquer espaço público, têm de estar livres de qualquer reivindicação religiosa”.

Já a política Marine Le Pen, Líder da Frente Nacional, partido de extrema-direita francês, declarou que as peças de roupa não fazem parte da cultura local.  "É uma questão de laicismo republicano, de ordem pública, certamente; mas, além disso, trata-se da essência da França: a França não aprisiona o corpo da mulher, não esconde metade da população sob o pretexto errado e odioso do medo de que a outra metade caia em tentação."

A decisão de vários municípios de proibir o uso da peça islâmica nas praias francesas provocou uma forte polêmica na França. Os véus mulçumanos já são proibidos em escolas públicas francesas, primárias e secundárias, desde 2004. Agora políticos querem estender a proibição para as universidades. A deputada francesa Nadine Morano sugeriu até que as mulheres não francesas que reincidirem na quebra da lei do burquíni sejam expulsas do país.

Críticos das medidas proibitivas alegam que elas são um reflexo da crescente islamofobia no país, com a radicalização do discurso de que o islamismo e a presença de muçulmanos imigrantes na França “trazem problemas”. A questão se agravou com a forte tensão provocada pelos recentes ataques terroristas na França.

Também se discute a visão etnocêntrica dos franceses. Etnocentrismo é um conceito antropológico que ocorre quando um indivíduo ou grupo de pessoas discrimina o outro, julgando-se melhor ou pior, seja por causa de sua condição social, pelos diferentes hábitos ou manias, por sua forma de se vestir, ou pela sua cultura.

Além disso, apesar da proibição usar um discurso sobre a libertação do corpo, ao impor uma regra de vestimenta para a mulher frequentar o espaço público, as mulheres estariam sendo discriminadas e seus direitos humanos estariam sendo violados. Escolher o que vai vestir sem interferência do Estado seria um direito humano básico.

O Estado laico, laicismo e a liberdade religiosa
O argumento de muitos políticos franceses que defendem a proibição de vestimentas muçulmanas é a defesa do Estado laico, considerado um dos pilares da civilização francesa. A questão da laicidade gera debates acalorados no país.

Em 2013, a França adotou nas escolas públicas a “Carta da Laicidade”, que proíbe o uso do véu islâmico nas escolas, da estrela de Davi ou da cruz, além de proibir a ausência de alunos durante festas religiosas. Na ocasião, Vicent Peillon, o então ministro da educação, declarou: “a laicidade é uma batalha que não opõe uns aos outros, mas uma batalha contra aqueles que querem opor uns aos outros".

Um Estado laico, secular ou não confessional é aquele que não possui uma religião oficial e pratica a separação jurídica e política entre Estado e religião. Ou seja, defende a autonomia e a não interferência de crenças religiosas ou espirituais nas instituições públicas.

Esse princípio foi um ponto central da visão política que surgiu após a Idade Moderna. A Revolução Francesa trouxe o conceito de liberdade como um direito dos cidadãos e um dever do Estado.

No Ocidente, historicamente a Igreja Católica e o Estado exerciam um regime de união, sendo a religião um elemento central e legitimador da ordem social. Na Idade Média, por exemplo, a religião era a principal esfera da vida humana e exercia grande influência na ordem política. Tanto que nesse período aconteceu a Inquisição, uma espécie de tribunal religioso criado na Idade Média para condenar todos aqueles que eram contra os dogmas pregados pela Igreja.

É a partir do século 18 que o Estado desvincula-se da Igreja e passa a adotar a neutralidade com questões religiosas. Em um Estado de Direito, o poder emana do povo, ou seja, é o povo que elege seus representantes. Além disso, o poder é regulado pelo direito. O Estado adota um conjunto de normas, um documento escrito que enumera e limita os poderes políticos e assegura os direitos fundamentais e individuais dos cidadãos.

O Estado teocrático ocorre quando há uma mistura de Direito com Religião, em que o líder do Estado é ao mesmo tempo um líder religioso e que pode criar leis a partir de uma visão espiritual. O Estado adota uma religião oficial e todos são orientados a seguir essa crença.

Exemplos atuais de regimes desse tipo são o Irã, país controlado pelos aiatolás, líderes religiosos islâmicos, e o Vaticano, regido pela Igreja Católica e tendo como autoridade máxima o Papa.

Mas para que existe o princípio de laicidade? A laicidade é um dispositivo de proteção à livre consciência e expressão de todas as crenças, de modo a garantir o reconhecimento da diversidade social em sociedades democráticas. Esse modelo surge pela necessidade de garantir e respeitar os direitos individuais, dando ao Estado a autonomia exclusiva para sua administração política soberana.

Existem dois tipos de laicidade: a neutra e a pluriconfessional.

O Estado francês pode ser considerado um exemplo de Estado laico neutro, porque veta todo e qualquer símbolo e discursos religiosos nos poderes e instituições públicas. Existem correntes de pensamento que consideram que a França está alinhada ao laicismo, um tipo de ideologia que prega o racionalismo e a neutralidade total. Em seu extremo, o laicismo corre o perigo de se tornar uma ideologia totalitária, ao não permitir nenhum aspecto religioso na vida cultural da sociedade. Na Coreia do Norte, por exemplo, o regime socialista chegou a proibir a prática de qualquer religião e a vetar livros religiosos.

Embora apele para a defesa da laicidade, a proibição do uso do burquíni na França pode ser contraditória. Isso porque o princípio fundamental do Estado laico é a liberdade religiosa, ele assegura que todo cidadão tem o direito de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha. Assegura ainda o direito de não ter crença, como o direito de ser ateu.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 e reconhece a liberdade religiosa como um direito humano. O artigo 18 diz: “tal direito inclui a liberdade para mudar de religião ou crença, bem como a liberdade para manifestar, de forma particular ou em comum, de forma pública ou privada, sua religião ou crença no ensino, nas práticas, no culto e na observância dos ritos”.

Desta forma, o Estado não pode restringir ou discriminar as convicções religiosas, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto, ao uso de símbolos religiosos e a suas liturgias.

Já a laicidade pluriconfessional traz o respeito à diversidade religiosa e brechas para que elas influenciem em doutrinas do Estado. No entanto, essa influência deve respeitar princípios básicos como a liberdade religiosa e a igualdade de representatividade de diferentes grupos sociais dentro da esfera pública. Ou seja, o Estado não pode ter condutas que criem barreiras para a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas no país.

Oriunda dos Estados Unidos, a laicidade pluriconfessional é mais próxima do que é praticado no Brasil hoje. O Brasil é um Estado laico e a Constituição Federal garante a liberdade de pensamento e a liberdade religiosa como um direito constitucional.

Apesar disso, o Brasil não pratica em todas as esferas o laicismo. Isso porque o Estado brasileiro reconhece a possibilidade de incluir discursos religiosos na estrutura política. Na carta constituinte de 1988, lê-se: “promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. O Estado brasileiro também autoriza o ensino religioso em algumas escolas públicas e tolera a existência de símbolos religiosos em instituições públicas, como escolas públicas, parlamentos e tribunais de justiça.

Embora o Brasil seja considerado um Estado laico, nos últimos anos a interferência de grupos religiosos na política brasileira aumentou drasticamente e acendeu um alerta sobre a questão da separação entre religião e Estado. O que chama a atenção é o poder da chamada bancada evangélica, com representes eleitos democraticamente e cada vez mais fortes nas eleições. Em 2015, o grupo contava com um número recorde de 78 representantes no Congresso.

O problema é que, ao propor leis sob um viés religioso, políticos podem ameaçar a liberdade dos direitos individuais, impor a visão moral de uma determinada religião sobre outras e barrar projetos que poderiam ter o respaldo do Poder Judiciário.

Várias das propostas da bancada podem ter impacto considerável no dia a dia dos brasileiros. São exemplos o Estatuto da Família, que discute se um casal pode ser formado apenas por homem e mulher (dificultando o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo e até o direito à adoção de crianças) e a proposta do deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) de criar um projeto de lei que busca incluir o ensino do criacionismo nas escolas, ou seja, a crença na criação do homem a partir de Deus.

Geografia: a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização?

Pontos-chave

 A participação da indústria na economia brasileira é cada vez menor. Dados recentes sugerem que o Brasil passa por um processo de desindustrialização, fenômeno que se refere à perda acentuada da atividade industrial.

Em 1985, a indústria de transformação respondia por 25% do PIB brasileiro. Desde então, foi perdendo substância e hoje em dia responde por menos do que 15% do PIB do país.

 Nos países desenvolvidos, a desindustrialização é um processo natural. Com o desenvolvimento econômico, a participação dos serviços sofisticados aumenta, e, em consequência, a participação da indústria de transformação cai. Mas não é o caso do Brasil.

Esse processo foi causado por uma série de fatores como a competição com a economia chinesa, o câmbio sobrevalorizado (valorização da moeda), a falta de inovação, os juros elevados e os custos implícitos do sistema produtivo nacional.
Quando foi a última vez que você comprou um produto fabricado no Brasil? É provável que a maior parte dos produtos que você use seja importada. Não por acaso. A participação da indústria na economia brasileira é cada vez menor. Dados recentes sugerem que o Brasil passa por um processo de desindustrialização, fenômeno que se refere à perda acelerada da atividade industrial.

O principal problema está no setor de manufaturados. É ele que abrange a produção de bens com maior complexidade. Em 1985, a indústria de transformação, aquela que converte matérias-primas em produtos, respondia por 25% do PIB brasileiro. Desde então, foi perdendo substância e hoje em dia responde por menos do que 15% do PIB do país. Em 2014, o setor chegou a 10,9%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A indústria tem por finalidade transformar matéria-prima em produtos que possam ser vendidos. Ela é uma das três atividades econômicas (ao lado dos serviços e da agropecuária) e possui grande importância para o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. Desde que a indústria surgiu na Revolução Industrial, no fim do século 18, ela tem sido o motor de crescimento do capitalismo.

A globalização e a tecnologia
Após a Guerra Fria, o mundo sofreu um processo de globalização que trouxe a integração econômica dos continentes e o aumento dos fluxos internacionais de mercadorias. O capitalismo global é caracterizado por forte competição econômica, não apenas entre as empresas, mas entre os países. Um dos efeitos da globalização é a dispersão espacial da indústria. Ao invés de produzir em seu país de origem, empresas transnacionais montam unidades industriais em países que oferecem custos mais baratos.

Nos anos 1990, países que até então eram considerados menos desenvolvidos entraram na rota da internacionalização da produção industrial como China, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia e Índia. As economias emergentes conquistaram seu espaço no mercado mundial ao oferecer abundância de matéria-prima e baixos salários.

Os países asiáticos foram os que alcançaram o maior crescimento, com destaque para a China. A partir de 1990, os chineses se tornaram gigantes do setor industrial, com uma política orientada para a exportação e investimento em infraestrutura. O país elevou a marca de 3% da produção global de manufaturados em 1990 para aproximadamente 20% em 2010, superando os Estados Unidos. Em três décadas, a China multiplicou o PIB em 17 vezes.

A globalização também trouxe a inovação como um fator-chave de uma economia dinâmica. Novas tecnologias revolucionaram o modo como as pessoas se relacionam com o mundo. A produção de tecnologia de ponta se tornou um importante vetor de mudanças, em um ritmo cada vez mais acelerado.

A inovação introduz novos produtos, processos e modelos de negócios. Isso não quer dizer que países em desenvolvimento não possam ter tecnologias inovadoras, como a indústria aeronáutica do Brasil e a eletrônica da China.

Os serviços também ganharam cada vez mais importância na estrutura econômica. Nos países industrializados mais avançados a maior contribuição para o PIB vem atualmente do setor de serviços, não do industrial. Isso significa que a estrutura econômica está mais concentrada em itens de maior valor agregado.

Até mesmo na indústria. A indústria é, hoje, uma grande consumidora de serviços que agregam valor: marketing, planejamento, logística, serviços financeiros e assistência técnica. Quanto mais complexa a estrutura industrial de um país, mais sofisticada é a rede fornecimento de serviços.

O fenômeno da desindustrialização pode ser observado em cidades e em países industrializados. Seria um processo natural em locais que tiveram grande crescimento industrial e que atingiram seu pico de desenvolvimento, possuem uma estrutura industrial de ponta ou foram impactados por mudanças no mercado.

Se nos países asiáticos o estímulo do desenvolvimento foram os baixos custos de produção, nos países desenvolvidos a inovação e o conhecimento se transformaram nos motores da economia. Com investimento em pesquisa e desenvolvimento, cada vez mais a vantagem competitiva dos países desenvolvidos não está na produção e exportação de manufaturas em si, mas no uso de tecnologia exclusiva, das atividades criativas, na força da marca e na criação de produtos diferenciados.

Enquanto a montagem de um produto foi terceirizada para os países emergentes, os países ricos passaram a investir mais em educação. Novos polos industriais de tecnologia surgiram em diversos países, como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA), que oferece um grande cenário de investimentos. São lugares que não se localizam mais nas áreas onde existe abundância de matérias-primas, mas próximos a importantes centros de pesquisa e de ensino universitário.

Em países em desenvolvimento, a desindustrialização está muito mais ligada aos processos de substituição de importações. Esse pode ser o caso do Brasil. Aqui o setor de serviços já responde por 71% do PIB brasileiro. Mas não porque temos uma indústria de ponta. Segundo economistas, a desindustrialização no Brasil seria um processo precoce (a indústria ainda não teria atingido o seu potencial máximo) e se deve a deficiências internas, principalmente à perda da competitividade das empresas brasileiras, impactada com a falta de inovação local e a entrada maciça de produtos asiáticos no mercado doméstico.

A industrialização brasileira e gargalos
A industrialização no Brasil começou tardia, no início do século XX. Em 1920, o Brasil já possuía 200 mil operários nas indústrias. Durante o Estado Novo (1937-1945) a economia brasileira se caracterizou pela forte intervenção estatal do governo de Getúlio Vargas. Até 1950 foram criadas importantes companhias estatais no setor de base que foram fundamentais para o processo de desenvolvimento industrial, como a Companhia do Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobras.

Na década de 1940 a atividade industrial teve um impressionante crescimento de 11,25% ao ano. Nas décadas seguintes houve um grande investimento em infraestrutura (portos, ferrovias, estradas, energia elétrica, etc.) e a indústria continuou a crescer, impulsionada pelo forte mercado consumidor interno. O processo se consolida até o final da década de 1970, período em que o Brasil possuía uma estrutura industrial diversificada e integrada.

A partir de 1980, a indústria brasileira começa um período de declínio e estagnação e o país viveu um período de inflação alta. Nos anos 1990, o país fez uma abertura comercial e diminuiu as tarifas de importações, o que abriu o mercado para novos concorrentes. O mercado interno foi inundado por bens importados.

A partir dos anos 2000, a inflação foi controlada (gerando estabilidade de preços) e houve o crescimento do consumo no Brasil, impulsionado por políticas públicas. Apesar desse cenário, os produtos manufaturados brasileiros perderam competitividade e espaço no mercado interno e global. O governo estimulou o consumo da população, mas a indústria não conseguiu melhorar a capacidade produtiva e crescer.

Um dos principais problemas é que o custo de se produzir aqui é maior em relação aos asiáticos. Segundo dados de 2013 da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o produto nacional é em média 34% mais caro do que um similar importado. Esse processo foi causado por uma série de fatores como a competição com a economia chinesa, o câmbio sobrevalorizado (valorização da moeda), a falta de inovação, os juros elevados (que dificultam financiamento e diminuem o consumo interno) e os custos implícitos do sistema produtivo nacional.

Com os preços baixos praticados por países como a China, alguns setores da indústria brasileira não conseguiram suportar a entrada de produtos importados. É o caso do setor têxtil, que desde 1990 sofre problemas com a concorrência com produtos asiáticos. Para uma marca de roupas brasileira, compensa mais importar tecidos de outro país e focar apenas na criação da marca. Com baixa competitividade, muitas fábricas de tecido e confecções brasileiras fecharam.

Em relação ao câmbio, uma taxa de câmbio competitiva influencia no preço da importação de insumos e nas exportações de produtos manufaturados. Se a moeda brasileira está muito forte, a indústria precisa aumentar os preços dos produtos que serão exportados e perde competitividade. Se a taxa está em equilíbrio, estimula os investimentos orientados para a exportação. Ela também influencia em decisões de investimentos de um empresário.

Outro problema a ser enfrentado é o chamado “Custo Brasil”, uma expressão que se refere aos custos de produção e do ambiente de negócios do país, influenciando as condições de oferta: a tributação, acesso e tipos de financiamento, as relações do trabalho (custos para manter um trabalhador), a qualidade das estradas e portos e a infraestrutura.

Segundo a Fiesp, o Brasil possui alta carga tributária, há um gargalo no sistema de escoamento da produção nacional (o que encarece o preço final de um produto) e a contratação de funcionários seria mais cara do que em outros lugares.

Se o Brasil não consegue vender produtos a preços baixos, o caminho poderia ser a inovação e a modernização das empresas para agregar valor aos produtos. Mas seria necessário um investimento em novas máquinas, tecnologias, educação, modelos de gestão inovadores e pesquisa.

A baixa qualidade da educação brasileira e as deficiências no ensino superior limitam a capacidade de inovar das empresas. Em termos de disponibilidade de engenheiros e cientistas, por exemplo, o relatório Global Competitiveness Report 2012-2013 avalia que o Brasil está na 113ª posição entre 144 países. A possibilidade do Brasil se tornar uma potência de inovação parece estar em um cenário ainda distante.

Outras saídas para a recuperação da indústria seriam o investimento em novos mercados que o Brasil teria um potencial natural, como tecnologias e projetos de sustentabilidade ambiental, ou ainda, agregar valor em setores como a agricultura, pecuária e o extrativismo. Por exemplo, não exportar apenas a laranja, mas o suco já processado (uma manufatura).

A ascensão das commodities
Enquanto a indústria brasileira está estagnada, as commodities ganham cada vez mais espaço na atividade econômica do país. Commodities são matérias-primas negociadas nos mercados internacionais e consideradas produtos de baixo valor agregado. São esses produtos que seguram a atual balança comercial brasileira.

Em 2001, commodities agrícolas, combustíveis e minerais respondiam por menos da metade das exportações brasileiras. Dez anos depois, esse valor subiu para 70% e o setor continua aumentando suas exportações e sua relevância no comércio internacional. Os principais produtos que o Brasil exporta são grãos como a soja, milho e algodão, metais como o minério de ferro e riquezas como o petróleo. Nos últimos anos, o Brasil exporta matéria-prima para países como a China, que vende ao Brasil produtos industrializados.

O aumento da população mundial e o crescimento de outros países geram uma maior demanda por recursos naturais e alimentos. Isso faz com que a comercialização de commodities continue a ganhar escala no Brasil.

No entanto, a forte dependência das commodities na balança comercial pode gerar um risco em caso de queda nos preços desses produtos e por isso revitalizar a indústria nacional geraria um maior equilíbrio.

Eleições: qual é a importância de um prefeito na nossa vida?

PONTOS-CHAVE

O prefeito é o chefe do poder Executivo municipal. Cabe a ele administrar e planejar a cidade e manter em bom funcionamento os serviços públicos essenciais à população local.

Ele também decide onde serão aplicados os recursos provenientes dos impostos, quais obras devem ser executadas e programas sociais, culturais e de desenvolvimento a serem implantados.

Ao viver em uma cidade, somos beneficiados por diversos serviços públicos. Decidir onde e como vai ser aplicado o dinheiro arrecadado é uma tarefa do prefeito.
Cerca de 160 milhões de brasileiros estão vivendo nas cidades. De acordo com o Censo de 2010, 84 de cada 100 habitantes moram em área urbana no país. São lugares com populações que variam de 800 habitantes até mais de 11 milhões, com características e desafios muito diferentes entre si.

Em outubro deste ano, os brasileiros terão eleições para definir os próximos prefeitos e vereadores das 5.570 cidades do país (apenas Brasília e Fernando de Noronha não votam no cargo).

Mas você sabe o que faz um prefeito? A palavra “prefeito” deriva do latim praefectus, que significa "homem que está à frente de qualquer coisa; governador, intendente, administrador, chefe”. A pessoa que recebia este cargo na Roma Antiga era “colocada à frente” do comando de certas instituições ou grupos.

O prefeito é o chefe do poder Executivo municipal. Cabe a ele administrar e planejar a cidade e manter em bom funcionamento os serviços públicos essenciais à população local. Ele também decide onde serão aplicados os recursos provenientes dos impostos, quais obras devem ser executadas e programas sociais, culturais e de desenvolvimento a serem implantados.

O mandato de um prefeito é de quatro anos e ele pode ser reeleger, mas apenas uma única vez. Seu salário é definido pela Câmara Municipal e a única regra é que ele não pode ser maior do que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal  (STF).

O desenvolvimento local é um processo gradual de melhoria de qualidade de vida de um território. A função social da cidade está prevista no artigo 182 da Constituição Federal, que entende que a cidade é um bem comum que pertence ao conjunto de sua população. Ela deve oferecer qualidade de vida de forma equilibrada a todas e todos, com oportunidades em variadas dimensões: cultura, lazer, saúde, educação, assistência e inclusão social, transporte, trabalho e renda, moradia, infraestrutura, entre outros.

Ao viver em uma cidade, somos beneficiados por diversos serviços públicos: escolas e creches, habitação, o recolhimento do lixo e construção de aterros sanitários, o fornecimento de água e esgoto, a organização do trânsito, a limpeza das ruas, energia elétrica nas vias públicas, transporte coletivo (ônibus, metrô e trens), postos de saúde e hospitais, segurança pública e defesa civil.

Além disso, a prefeitura define como será realizado o planejamento do uso do solo e do território urbano, as obras de infraestrutura, a concessão de licença para localização e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e prestadores de serviços, políticas de preservação ambiental e uso racional dos recursos naturais, entre outros.

Decidir onde e como vai ser aplicado o dinheiro arrecadado é uma tarefa do prefeito. Ele deve entender os principais problemas das comunidades para fazer um planejamento eficiente. Como líder político, eleito pelo povo, ele precisa dialogar com a população, conhecer suas necessidades, mobilizar recursos e negociar conflitos de interesse.

O prefeito dirige toda a máquina da Prefeitura, com o auxílio de uma equipe de secretários e dos responsáveis por diversos setores. Ele e sua equipe montam uma proposta de orçamento, que precisa ser aprovada pela Câmara de Vereadores. Em algumas cidades, a definição do orçamento também conta com a participação da população (o chamado orçamento participativo).

Existe ainda o planejamento participativo, que conta com a participação de grupos e representantes da sociedade civil e a realização de audiências para toda a população interessada. Nesse caso, é desenhado coletivamente um Plano Diretor da cidade, que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Para realizar todas as tarefas essenciais à população, as prefeituras contam principalmente com o dinheiro arrecadado pelo IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços). Na grande maioria das cidades essa verba não é suficiente, por isso, elas contam com um repasse de recursos do Governo Federal e do Governo Estadual.

Realizar uma boa gestão financeira tem sido o principal desafio dos prefeitos do Brasil hoje.  Em 2016, 80% do dinheiro gasto por mais de dois terços das prefeituras vêm de transferências e fontes externas à sua arrecadação. Dessas fontes de recursos, a maior parte tem origem no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mantido pelo Governo Federal.

O município é regido pela lei orgânica elaborada por sua câmara municipal, que permite autonomia jurídica para legislar sobre assuntos de interesse local. Além da Constituição Federal, a lei orgânica deve respeitar as normas da constituição estadual.

Os vereadores discutem e votam projetos na Câmara Municipal que podem ser transformados em leis. As propostas aprovadas pelos vereadores são enviadas ao prefeito, que tem o poder de sancionar (aceitar) ou vetar essas leis, ou ainda, apresentar novas propostas. O prefeito também precisa do apoio da maioria na Câmara Municipal, para conseguir aprovar os projetos de que necessita.

E como saber ser a gestão da prefeitura está sendo realizada do jeito correto? Todo ano o prefeito precisa prestar contas de sua gestão em um relatório geral. Esse documento precisa ser aprovado pela Câmara Municipal e pelo Tribunal de Contas municipal. Se essa prestação tiver alguma irregularidade e for rejeitada por 2/3 da Câmara, ele pode perder o mandato e ficar proibido de se candidatar de novo.

O trabalho também pode ser fiscalizado pela população. A Lei Complementar 131/2009, conhecida como a “Lei da Transparência”, determina a disponibilização, em tempo real, de informações sobre a execução orçamentária de cada Ente da Federação. Já a Lei 12.527/2011 – “Lei de Acesso à Informação” – permite ao cidadão ter informações dos órgãos públicos que sejam de seu interesse particular ou coletivo.

Um bom jeito de acompanhar os dados da sua cidade é acessar os chamados “Portais da Transparência”, sites que disponibilizam na internet informações sobre a execução orçamentária e financeira de um município. Outra opção para acompanhar a gestão da prefeitura é ler a publicação do Diário Oficial da sua cidade, um jornal criado e mantido pelo governo local para publicar todos os atos oficiais e ações da administração pública executiva, legislativa e judiciária.

Turquia: país sofre tentativa de golpe e tensão política aumenta

Pontos-chave

• Em 15 de julho, parte das forças armadas da Turquia se rebelou contra o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan e tentou dar um golpe de Estado. A situação foi revertida por tropas leais ao governo.

• O Presidente turco acusa o opositor Fethullah Gülen de estar por trás da tentativa de golpe.

• Outra possibilidade é que o golpe seja liderado por militares de orientação secularista.

• A oposição acredita que uma das primeiras consequências da tentativa de golpe é que o ato possa aumentar o autoritarismo do presidente e aumentar o seu poder.

O que se seguiu foram confrontos na rua, que deixaram um saldo de mais de 260 pessoas mortas. O presidente Recep Tayyip Erdogan, do partido AKP, estava de férias em um resort. Um pelotão de soldados havia se dirigido ao seu hotel, mas ele conseguiu entrar em um avião a tempo e não sofreu o ataque. Durante a tentativa, Erdogan entrou na internet ao vivo e conclamou o povo a defender o governo e preservar a democracia. As massas foram às ruas e tentaram deter os golpistas. Quase 3.000 militares suspeitos de envolvimento no levante foram detidos rapidamente pelas forças leais ao presidente.

O que aconteceu?
Ainda não se sabe o contexto real, as causas e o tamanho da parcela da população que apoiou a tentativa de levante. Durante a revolta, militares rebeldes declararam em documento que "a administração política que perdeu toda a legitimidade foi forçada a cair”. Na retórica, os líderes apontaram a corrupção e a ameaça ao secularismo turco como causas de suas ações.

Políticos e o líder do principal partido opositor, o CHP, descartou apoiar o golpe e disse que respalda o governo democraticamente eleito. O governo acusa um grupo militar da Turquia a se associar com a organização Hizmet para realizar o recente golpe de Estado fracassado. O vazamento de que estaria em curso uma depuração maciça de gülenistas nas Forças Armadas é apontado como uma das hipóteses para explicar a rebelião.

A Hizmet é uma organização civil fundada nos anos 1960 por Fethullah Gülen, clérigo e pensador muçulmano. Considerado de uma linha moderada do Islã, ele prega a união do islamismo com a democracia e o mundo moderno. O movimento possui grande influência na sociedade turca e criou uma poderosa rede de escolas, empresas, instituições de caridade e órgãos da mídia na Turquia.

Erdogan e Gülen já foram aliados políticos no passado, mas agora são rivais. Aos 60 anos, Erdogan é visto como um líder carismático, responsável pelo crescimento econômico do país. Apesar disso, ele é considerado pela oposição como um “ditador” islamita, que ameaça a liberdade de expressão.

Em 2013, Erdogan foi acusado de corrupção e diversos aliados seus foram presos. As acusações ganharam força com a publicação na internet de uma série de conversas telefônicas grampeadas. Nesta época, ele denunciou "uma conspiração" organizada pelos aliados do pregador Fethullah Gülen para derrubar o governo. Erdogan então rompeu com Gülen. No mesmo ano, milhares de pessoas se reuniram em volta da praça Taksim em Istambul, desafiaram o governo e denunciaram o autoritarismo do primeiro-ministro. O governo, por sua vez, respondeu reprimindo as manifestações e censurando a mídia.

Gülen se encontra exilado nos Estados Unidos desde 1999 e nega qualquer envolvimento com a tentativa de golpe em julho. Atualmente o governo turco classifica a organização como terrorista, tanto que se refere ao Hizmet como FETO (Organização de Terror Fethullah).

Este mês, um tribunal de Istambul emitiu um mandado de prisão contra Gülen. A medida abre caminho para um pedido formal de extradição do inimigo do presidente Erdogan a Washington. O fato de os EUA abrigarem o opositor é um ponto delicado na relação entre os dois países.

A oposição acredita que uma das primeiras consequências da tentativa de golpe é que o ato possa aumentar o autoritarismo do presidente, que teria “carta livre” para perseguir os gülenistas, simpatizantes de seu opositor. Desta forma, consolidaria ainda mais o seu poder. Segundo essa teoria, o golpe seria conveniente para um presidente que precisava de um pretexto para realizar a prisão de pessoas da oposição.

O presidente turco declarou no dia 20 estado de emergência de três meses. Nesse período, ele pode aprovar leis sem a autorização do Parlamento e suspender os direitos individuais da população. Segundo o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, desde 15 de julho, ao menos 20 mil pessoas foram indiciadas e detidas. Universitários foram proibidos de sair do país e 24 televisões e rádios tiveram suas licenças de emissão canceladas. Mais de cinco mil funcionários, sobretudo policiais, professores, economistas, políticos, juízes e jornalistas foram suspensos ou destituídos de suas funções, acusados de apoiarem as ideias de Gülen.

Países-membros da União Europeia criticaram as prisões e demissões em massa, e as classificaram como medidas antidemocráticas. "Não há dúvida nenhuma de que estas medidas são preocupantes", afirmou a chanceler alemã Angela Merkel.

Turquia e a geopolítica
Situado na fronteira entre Europa e Oriente Médio, a Turquia é um país europeu, de maioria muçulmana e que define seu regime como democrático. Sua posição geográfica é estratégica por fazer a fronteira com a Europa e o Oriente Médio.

No campo político, a Turquia é considerada pelo Ocidente como um modelo de sucesso de integração do mundo islâmico com um Estado laico, democrático e com relações com países ocidentais.

A Turquia é a principal porta de entrada para os refugiados que buscam a Europa, oriundos de países em conflito como a Síria e o Líbano. O país tem o papel de ser um “tampão”. Para conter o intenso fluxo migratório, a União Europeia criou um programa de ajuda econômica de US$ 3,4 bilhões para a Turquia receber imigrantes. Em troca, o país teria maior possibilidade de se integrar à União Europeia, papel que é acompanhado com atenção pelo mundo.

O país também atua na guerra civil da Síria, ajudando tropas locais a combater o Estado Islâmico (EI). Porém, analistas avaliam que o real objetivo turco na região é evitar o crescimento das forças da etnia curda. Milícias curdas sírias combatem o EI no norte e sudeste do país. Na Turquia, existe um conflito permanente entre o governo e os rebeldes curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que buscam estabelecer um Estado curdo independente. Após a tentativa de golpe na Turquia, o PKK intensificou seus ataques terroristas.

A Turquia secularista
Internamente, uma das principais questões da Turquia é a tensão entre o secularismo e islamismo. A atual constituição do país tem caráter secular e garante que o Estado é laico. Isso significa que ela não reconhece alguma religião oficial do país e proíbe qualquer manifestação religiosa nas instituições políticas e sociais.

Quem implementou o laicismo foi Kemal Atatürk (1831- 1938). Ele é considerado como o pai da Turquia moderna, sendo reverenciado pela população como um herói nacional. Após a derrota do Império Otomano, Atatürk comandou levantes e assumiu a presidência em 1920. Durante o processo de modernização, suprimiu em 1922 o sultanato e em 1924, o califado. À frente do Partido Popular Republicano, fundado por ele próprio, chegou a presidente da República Turca em 1923 e fez significativas reformas, como o sistema judicial inspirado nos dos países europeus, monogamia, alfabeto latino, indumentárias ocidentais e restrições religiosas.

Durante o século 20, a Turquia sofreu diversas tentativas de golpes militares (1960, 1971, 1980 e 1997), o que a torna sua democracia ainda frágil. As Forças Armadas usaram a defesa do Estado laico e do secularismo como uma das bandeiras para a realização dos golpes. Eles estariam defendendo a herança secularista de Kemal Atatürk. Em relação à tentativa do golpe de julho, existe ainda a hipótese de que determinadas elites do exército secularista tenham sido afastadas do poder pelo governo de Erdogan.

O presidente também não é bem visto entre as alas mais liberais, que acreditam que ele tomou diversas medidas de inspirações islâmicas. Muitos se referem a ele como “inimigo do secularismo”. Entre as medidas polêmicas da gestão de Erdogan estão a suspensão da proibição do uso de véus pelas mulheres muçulmanas em escolas e universidades e as fracassadas tentativas de criminalizar o adultério e proibir a venda de álcool em alguns bairros.

Cidadania: Lei Maria da Penha completa 10 anos

Pontos-chave

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340), sancionada em 7 de agosto de 2006, completa dez anos de vigência. Ela foi criada para combater a violência doméstica e familiar, garante punição com maior rigor dos agressores e cria mecanismos para prevenir a violência e proteger a mulher agredida.

De acordo com a legislação, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

Hoje essa lei é a principal ferramenta legislativa na questão da violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Ela também é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três mais avançadas do mundo nessa questão.

Com a Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher torna-se visível e deixa de ser interpretada como um problema individual da mulher e passa a ser reconhecida como problema social e do Estado, que deve prever assistência, prevenção e punição para esses casos.
“Em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Esse ditado popular revela muito sobre como o país tratou a violência doméstica e contra a mulher. Isso porque durante séculos, esse tipo de agressão nem sempre foi considerada uma violência pela sociedade brasileira. Essa frase naturaliza um ato abusivo, como algo sem importância e de interesse particular, uma situação que não precisa de ajuda ou “não é problema meu”.

A cada ano, mais de um milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros dados mostram a gravidade da questão: a cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil e uma em cada cinco mulheres já sofreu algum tipo de violência de um homem (conhecido ou não) e o parceiro é responsável por 80% dos casos reportados. Os dados são de uma pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo.

Apesar da gravidade do problema, a previsão de uma lei específica no Brasil que trata da violência contra as mulheres, em especial nas relações domésticas familiares e afetivas, é algo recente e só ocorreu com a Lei Maria da Penha (Lei 11.340), sancionada em 7 de agosto de 2006, e que completa dez anos de vigência.

A lei recebeu o nome em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Fernandes. Em 1982, ela sofreu duas tentativas de assassinato por parte do então marido. Na primeira, depois de um tiro nas costas, ficou paralítica. Ela enfrentou luta judicial de quase 20 anos para vê-lo punido. Em 1998, em razão da morosidade no julgamento do ex-marido, Maria da Penha denunciou seu caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos denunciando a tolerância do Estado brasileiro com a violência doméstica, com fundamento na Convenção Belém do Pará e outros documentos de direitos humanos no sistema de proteção da Organização dos Estados Americanos. Graças à sua iniciativa, o Brasil foi condenado pela Corte, que recomendou ao país a criação de lei para prevenir e punir a violência doméstica.

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340), que foi o ponto de partida jurídico para enfrentar a violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil e hoje é considerada como o principal dispositivo legal nessa questão. Ela também é considerada pela ONU como uma das três mais avançadas do mundo no tema, atrás apenas das leis da Espanha e do Chile.

Além de inovadora, a lei teve grande repercussão social e hoje é considerada como uma das leis mais conhecidas pelos brasileiros. Segundo a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013) 98% da população conhece a legislação. Para 86% dos entrevistados, as mulheres passaram a denunciar mais os casos de violência.

O que diz a lei
Desde 1988 a Constituição brasileira já trazia o princípio da igualdade entre homens e mulheres, em todos os campos da vida social. O artigo 226 diz que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A inserção desse artigo atribui ao Estado a obrigação de intervir nas relações familiares para coibir a violência, bem como de prestar assistência às pessoas envolvidas. No entanto, os casos de violência contra a mulher eram considerados de menor potencial ofensivo e a punição dependia muito da interpretação do juiz.

Até 2006, havia um massivo arquivamento de processos de violência doméstica. Eram comuns casos em que agressões físicas foram punidas apenas com o pagamento de cestas básicas. Ou ainda, situações fatais, em que o agressor mata a mulher e tem sua responsabilidade diminuída: a mulher cometeu adultério e o marido acaba sendo absolvido na Justiça por estar defendendo a sua honra ou o assassino que cometeu “um homicídio passional” por ciúmes.

Nesse contexto, muitas brasileiras não denunciavam as agressões porque sabiam que seriam ignoradas pelas autoridades e os companheiros não seriam punidos. Outros fatores também contribuem para que a mulher não consiga sair da relação com o agressor: ela é ameaçada e tem medo de apanhar de novo ou morrer se terminar a relação, ela depende financeiramente do companheiro, tem vergonha do que a família e amigos vão achar, acredita que o agressor vai mudar e que não voltará a agredir ou pensa que a violência faz parte de qualquer relacionamento.

A Lei Maria da Penha foi amparada no artigo 226 e em acordos internacionais, altera o Código Penal e aumenta o rigor nas punições para agressões de pessoas próximas. A lei tirou da invisibilidade e inovou ao tratar a violência doméstica e de gênero como uma violação de direitos humanos.

A Lei 11.340 configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Entre as inovações, está a velocidade no atendimento aos casos. Depois que a mulher apresenta queixa na delegacia de polícia ou à Justiça, o juiz tem o prazo de até 48 horas para analisar a concessão de proteção. Além disso, a Lei Maria da Penha ampara a mulher dentro e fora de casa. Também considera a agressão psicológica e patrimonial como violência doméstica e familiar contra a mulher, ou seja, abrange abusos que não deixam marcas no corpo.

A aplicação da lei Maria da Penha contempla ainda agressões de quaisquer outras formas, do irmão contra a irmã (família); genro e sogra (família, por afinidade); a violência entre irmãs ou filhas (os) e contra a mãe (família). Além disso, garante o mesmo atendimento para mulheres que estejam em relacionamento com outras mulheres. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a aplicação da lei para transexuais que se identificam como mulheres em sua identidade de gênero.

Medidas protetivas
A Lei Maria da Penha criou dois tipos de medidas protetivas: à ofendida (mulher em situação de violência) e medidas obrigatórias ao agressor (autor da violência), de acordo com o risco que a mulher corre.

As medidas protetivas buscam oferecer um atendimento integral e qualificado às mulheres, a partir do contexto da violência, como encaminhar a ofendida e seus dependentes a um programa de proteção ou de atendimento, determinar o afastamento da ofendida do lar e a separação de corpos.

Em relação ao autor da violência, a lei prevê que ele não pode cumprir penas alternativas ou ser punido com multas, e pode ser enquadrado na suspensão da posse ou restrição do porte de armas, na prisão preventiva do suspeito, no afastamento do lar ou local de convivência com a ofendida, na proibição de contato com a ofendida e no pagamento de pensão alimentícia à família.

Serviços públicos de apoio
Com a vigência da lei, o governo teve que investir na criação de serviços públicos de apoio à mulher e o problema passou a existir “oficialmente” na esfera pública. Foram fortalecidas as Delegacias de Atendimento à Mulher, criados novos juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, além de amparar serviços de assistência, como a Casa da Mulher Brasileira e a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180.  

A violência contra a mulher torna-se visível e deixa de ser interpretada como um problema individual da agredida e passa a ser reconhecida como problema social e do Estado, que deve prever assistência, prevenção e punição para esses casos.

Apesar de significar um marco na questão da violência doméstica, ainda falta muito para que a violência contra a mulher terminar. A Lei Maria da Penha precisa ser implementada nos Estados de forma eficiente. Além disso, é preciso mudar a cultura de violência e o machismo da sociedade brasileira. Uma questão que demanda educação, trabalho e tempo.

A Lei do Feminicídio
A Lei Maria da Penha também está salvando vidas. Em 2015, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou um estudo que estimou o impacto da lei nas taxas de homicídios de mulheres. Segundo a pesquisa, a lei contribuiu para reduzir, em 10%, o número de feminicídios no Brasil. O termo “feminicídio” é usado para designar o assassinato de uma mulher pelo simples fato de esta ser mulher.

A Lei Maria da Penha também abriu caminho para que fosse criada a Lei do Feminicídio (Lei 13.104). Sancionada em 2015, a lei classifica o homicídio qualificado como crime hediondo, o que aumenta a pena para o autor. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking global de homicídios de mulheres.

Tecnologia: uso de drones dispara e equipamentos prometem mudar o mundo

Pontos-chave

Drones são veículos não tripulados, controlados à distância.
Esses equipamentos já são usados há muito tempo na área militar, mas nos últimos anos, viraram uma febre para as mais diversas finalidades.
A segurança do espaço aéreo e a garantia de privacidade da população são questões que preocupam a população em relação aos drones.
Elas são leves, voam em uma altura que os helicópteros não alcançam, entram em espaços considerados pequenos e fazem manobras com facilidade. Mas não são aviões. As aeronaves remotamente pilotadas (RPAs), mais popularmente conhecidas como drones, são máquinas voadoras operadas a distância por controle remoto.

Os drones aéreos surgiram durante a Segunda Guerra Mundial e buscavam evitar mortes de soldados em operações de risco. Durante a Guerra Fria, foram usados pelas Forças Armadas dos Estados Unidos em operações de espionagem. Na Guerra do Iraque, em versões modernizadas, foram usados para bombardeios.

Em 2014, o presidente Barack Obama anunciou que os EUA passariam a utilizar drones em operações antiterroristas para combater grupos jihadistas em países como a Síria, Afeganistão, Somália e Iêmen. Na última década, a frota de drones dos EUA aumentou de 50 para mais de 7 mil aeronaves, incluindo minidrones e drones sem armas, que podem ser pilotados a partir de bases norte-americanas.

Cientistas apostam em uma terceira revolução na tecnologia bélica (depois da pólvora e das armas atômicas) na qual a guerra passa a se fazer por automação e inteligência artificial, com drones terrestres, marítimos e subterrâneos. Seu uso militar promete “uma guerra sem combate”. Segundo David Deptula, um oficial da força aérea norte-americana, a verdadeira vantagem deles é “projetar poder sem projetar vulnerabilidade”, ou seja, não é necessário enviar tropas e coloca-las em risco.

Para o filósofo francês Grégoire Chamayou, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica francês, o drone bélico propõe um dilema ético: o ataque só coloca em risco a vítima e estabelece uma distância entre a violência e o campo de comando. Em um cenário tradicional de conflito, os lados envolvidos estão tecnicamente vulneráveis a ataques físicos no campo de batalha. No ataque de um drone, as vítimas são apenas de um lado e o operador pode voltar pra casa como se nada tivesse acontecido. Por não estar presente, ele sentiria uma menor “responsabilidade” por um ato letal.

Daí surge outra questão ética: se um drone matar um civil por acidente, de quem é a culpa? Em 2010, a ONU (Organização das Nações Unidas), alertou contra o uso de drones na guerra. A ONU destacou os riscos dos operadores de drones se desligarem do contexto por estarem em estações longe do conflito e recomendam uma maior atenção à sua formação psicológica.
Nos últimos anos, a tecnologia de drones evoluiu e esses “robôs voadores” começaram a se tornar menores e relativamente baratos, conquistando o mercado civil. Seu uso mais conhecido é na captação de imagens aéreas para fotografia e vídeos, quando o equipamento voa com câmera acoplada, trazendo diferenciais como a capacidade de aproximação e ângulos inusitados em produções cinematográficas, publicitárias e jornalísticas. Mas o uso do drone mudará radicalmente em pouco tempo e suas possibilidades parecem ser infinitas.

A Lux Research, empresa norte-americana que presta consultoria em pesquisas de mercado, estima que mais de 1 milhão de drones deverão ser comercializados no mundo até 2025. No Brasil, a expectativa de faturamento do setor é de R$ 220 milhões em 2016, segundo um estudo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

E tudo isso apenas para captar imagens? Não. Esses equipamentos também podem ter um papel estratégico no ramo de transportes. Nos Estados Unidos, por exemplo, a empresa Amazon vem testando essas aeronaves como entregadores em larga escala, com capacidade para levar uma carga de até 25 kg. A empresa quer entregar produtos nas casas dos consumidores norte-americanos em apenas 30 minutos. Em 2016, uma empresa chinesa desenvolveu o protótipo Ehang 184, o primeiro drone criado para levar passageiros. O veículo autônomo é semelhante a um mini-helicóptero, consegue carregar até 100 Kg e voa a uma altura de 11 mil pés.

Além destas utilidades, drones ainda têm um diferencial: podem chegar com mais facilidade a locais com condições adversas a seres humanos. Esses equipamentos já foram utilizados em operações de busca e salvamento em Fukushima, no Japão, após acidente nuclear de 2011, provocado pelo tsunami que atingiu a costa do país. Os drones também já foram testados por bombeiros para apagar incêndios e em missões humanitárias para entregar de medicamentos e vacinas em áreas de difícil acesso.

Alguns projetos de combate ao crime já inserem esses equipamentos na rotina. Na Espanha, a polícia usa drones para patrulhar praias turísticas e identificar várias situações de risco. Eles podem detectar banhistas em dificuldade, embarcações à deriva e incêndios na vegetação costeira. No Brasil, O Ministério do Trabalho e Emprego anunciou que começará a usar drones para combater o trabalho análogo à escravidão no meio rural.

No campo, diversos projetos começaram a monitorar extensas áreas rurais por drones equipados com softwares inteligentes, que buscam coletar e processar dados de precisão. Por exemplo, empresas usam as imagens captadas pelo equipamento para observar falhas na lavoura, identificar ataques por pragas e outros problemas de solo.

As aeronaves também estão sendo usadas para pulverizar agroquímicos na agricultura de larga escala. Esses defensivos químicos, em geral, são pulverizados manualmente sobre as lavouras ou com o auxílio de tratores. Protótipos de drones mostraram-se eficazes ao liberar quantidades controladas de agroquímicos em áreas predeterminadas, levando em conta aspectos meteorológicos e as rotas calculadas pelo seu sistema de GPS. Desta forma, realizam uma pulverização mais segura e eficiente, capaz de melhorar a cobertura da aplicação e a qualidade do processo de cultivo.

Os aparelhos não tripulados também são úteis na gestão de áreas protegidas e no monitoramento de florestas em recuperação. Um projeto da ONG WWF conseguiu evitar a atividade de caçadores sobre rinocerontes e elefantes em áreas protegidas na África. No Brasil, a ONG realiza o monitoramento de florestas e sua regeneração em matas ciliares no município de Lençois (SP). E no Parque Estadual do Cantão (TO), drones são usados pelo Instituto Araguaia para fiscalizar a pesca irregular.

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Carregar pílulas abortivas e fiscalizar provas: veja atividades feitas por drones13 fotos 11 / 13
Romantismo - O roqueiro chinês Wang Feng inovou no pedido de casamento e utilizou um drone para levar as alianças à atriz Zhang Ziyi, que ficou famosa por atuar em filmes como "O Tigre e o Dragão" e "Memórias de uma gueixa". Na festa de aniversário de Zhang, ocasião escolhida para o músico fazer o pedido, o avião não-tripulado chamou mais atenção do que o anel de diamante de 9,15 quilates
Segurança, vigilância e privacidade
Durante a abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, um drone sobrevoou o espaço aéreo do Estádio Maracanã e mobilizou militares da Força Nacional de Segurança. Militares se prepararam para abatê-lo, entretanto, ele se afastou e não foi mais localizado. Por medida de segurança, os aparelhos foram proibidos de voarem em toda a região do Rio de Janeiro durante a realização do evento.

Um objeto não identificado sobrevoando cidades gera receio por parte dos órgãos governamentais. Isso porque, dependendo do motivo pelo qual é usado, os drones podem atrapalhar o tráfego aéreo, provocando acidentes, ou funcionar como um instrumento de espionagem e ataque.

Outra questão é a garantia de privacidade da população. A vigilância dessas máquinas voadoras praticamente favorece ver sem ser visto. E nas mãos erradas, drones podem “espionar” propriedades e pessoas em locais privados, gravando de tudo e sem a autorização de quem é filmado. O problema pode piorar no futuro. Engenheiros já projetam uma nova geração de drones ainda menores, parecidos com insetos e pequenos pássaros, o que permitiria que a vigilância fosse feita de maneira ainda mais despercebida.

A tecnologia anda mais rápida do que a legislação e controlar os passos e os usos desses aparelhos ainda não é uma tarefa simples. No Brasil só o uso de drones para o aeromodelismo é autorizado, mas a fiscalização é precária. Para outras operações, é necessário autorização. Este documento reúne outras informações sobre qual deve ser a velocidade do equipamento, altura e outras especificações.

Entre os requisitos estão o de informar a Força Aérea Brasileira (FAB) com antecedência de 30 dias antes de cada voo, manter pelo menos 5,5 Km de distância de aeroportos e sobrevoar pessoas e prédios com no mínimo 30 metros de distância. Usar um drone sem autorização pode render penalidades que constam no Código Brasileiro de Aeronáutica e vão desde multa (de R$ 800 a R$ 30 mil), à detenção, interdição ou apreensão do drone.

O próximo passo será a regulação na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cujo processo ainda está tramitando. A Anac entende que pilotos de drones que comandam aeronaves com mais de 25 quilos deverão ter uma licença e autorização oficial. A regulamentação deve facilitar as regras para quem trabalha com filmagens aéreas e máquinas pequenas.

Outros países também estão criando novas leis sobre o assunto. Em 2015, os EUA anunciou um regulamento para garantir o uso seguro dos artefatos com fins recreativos. O cidadão americano que tenha um drone com peso até 25 quilos deverá registrar o aparelho antes de começar a usá-lo ao ar livre. Não comunicar os dados do artefato e o contato de seu proprietário pode levar a multas de até 250.000 dólares e três anos de prisão. Ao lançar a nova regra, Anthony Foxx, secretário de Transportes disse “Não se engane: os entusiastas de aparelhos não tripulados são aviadores, e isso traz consigo uma grande responsabilidade”.

Homofobia: preconceito, violência e crimes de ódio

O atentado na boate Pulse ocorrido em junho, em Orlando, nos Estados Unidos, é considerado o maior ataque a tiros da história dos Estados Unidos. Usando um fuzil e uma pistola, Omar Mateen, cidadão americano, filho de afegãos, assassinou 49 pessoas e deixou 53 feridas antes de ser morto pela polícia no local.

Logo após o massacre, Mateen declarou ter agido em nome do Estado Islâmico, que mais tarde reivindicou a ação. Mesmo que se confirme a ligação do atirador com o grupo terrorista Estado Islâmico, o crime pode ser considerado um ato de homofobia, porque a boate Pulse era conhecida por ser frequentada pelo público LGBT. Depois do atentado, o presidente americano Barack Obama afirmou: "O lugar onde foram atacados é mais que uma casa noturna – é um lugar de solidariedade e empoderamento onde pessoas se reúnem para se informar, se expressar e lutar por seus direitos civis".

A palavra “homofobia” surgiu na década de 1960, deriva do grego e significa “medo ou terror de iguais”. Entende-se por homofobia a discriminação (e demais violências daí decorrentes) contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero.

Pessoas homofóbicas sentem grande desconforto e intolerância quando pensam em homossexualidade. Motivada pelo preconceito, a homofobia pode levar a violência física, institucional, psicológica e sexual contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou transexuais.

Brasil e os crimes de homofobia
A população LGBT constitui um grupo vulnerável, sendo alvo de inúmeras violações de direitos humanos em muitas partes do mundo. Em vários países, o afeto e as relações sexuais consentidas entre adultos do mesmo sexo são consideradas crime e punidas com prisão ou até com a pena de morte.

O Brasil é um dos países mais perigos para gays, lésbicas e transexuais. Em média, uma pessoa LGBT é morta a cada 27 horas. Segundo dados da organização Grupo Gay da Bahia, nos últimos quatro anos e meio, 1,6 mil pessoas morreram em ataques homofóbicos no país. Os números de mortes foram coletados com base em registros policiais e notícias. Em 2015, 318 pessoas foram mortas vítimas de homofobia.

Dados da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal revelam que, em 2013, foram registradas 1.965 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT. O número pode ser ainda maior devido ao elevado índice de subnotificação (casos que não são relatados para a polícia). As denúncias incluem espancamentos, agressões e até os chamados “estupros corretivos”.

Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas, apesar da população ser considerada pequena. O risco de uma “trans” ser assassinada é 14 vezes maior que um gay. Segundo a rede Transgender Europe, mais da metade dos homicídios registrados contra transexuais do mundo ocorrem no Brasil. De 2008 a 2015, ocorreram no Brasil 802 casos. Um dos motivos é que o grupo está em maior situação de vulnerabilidade social e marginalização.

Direitos e Leis
Em 2011, o IBGE identificou 67 mil casais homoafetivos vivendo juntos no país. Os números podem ser bem maiores, considerando que nem todos LGBT se declaram homossexuais nas pesquisas.

Nas últimas decádas, a visibilidade da população LGBT no Brasil é cada vez maior. A Parada Gay de São Paulo é hoje considerada a maior do mundo. E cada vez mais empresas estão apresentando seus produtos em propagandas que mostram casais formados por dois homens ou duas mulheres, para refletir os novos arranjos familiares.

No campo jurídico, o casamento homoafetivo é estendido a todo o Brasil desde 2013, quando entrou em vigor a Resolução 175, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que determina que cartórios de todo o país não podem se recusar a celebrar casamentos civis de pessoas do mesmo sexo. Antes disso, já havia decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que reconhecem que o cidadão deve ter direitos civis iguais.

O país, no entanto, está longe de acabar com o preconceito e a violência contra o público LGBT. São comuns relatos de casais do mesmo sexo que enfrentam diariamente constrangimentos e não se sentem seguros em manifestar o afeto em bares, restaurantes e locais de comércio. Nas ruas, enfrentam o assédio e ameaças verbais; no trabalho e nas escolas, adolescentes e jovens muitas vezes são vítimas de bullying.

Diversos países adotam leis específicas contra crimes de ódio, aqueles cometidos quando o criminoso seleciona intencionalmente a sua vítima em função de esta pertencer a um certo grupo. Na Espanha, Suécia, Canadá e Inglaterra, por exemplo, o Código Penal prevê punições para crimes motivados pelo ódio e incluem a orientação sexual na lista de motivações da violência.

A lei nº 7.716 decreta que serão punidos “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Movimentos sociais buscam incluir na Constituição outros tipos de crimes de ódio e que atentam contra a dignidade humana.

Apesar dos recentes avanços nos direitos LGBT, a prática da homofobia não é tipificada como crime no Brasil. Projetos de leis nesse sentido foram apresentados no Congresso Nacional e buscam criminalizar as manifestações de homofobia e os crimes de ódio contra os homossexuais.

Defensores dessas propostas entendem que a Constituição tipifica crimes de intolerância, aqueles praticados por preconceito ou discriminação. Mas na legislação ainda não há enquadramento específico para a discriminação sexual, ao contrário da lei que pune crimes raciais, por exemplo. Como não há uma lei que determine a homofobia como crime, não existe punição. Uma lei específica poderia ajudar no combate a essas agressões e ter uma função “educativa” ou que seja um instrumento de prevenção.

A lei 7716/89 deu à prática do racismo a tipificação de crime inafiançável e definiu como crime, dentre outras questões, quando a pessoa negra é proibida de entrar em locais públicos ou quando alguém tenta impedir, por qualquer meio ou forma, o casamento ou a convivência familiar e social em razão da cor da pele.

Em 2006, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto da deputada Iara Bernardi que criminaliza a homofobia. O PLC (projeto de lei complementar) 122 alterava a Lei do Racismo, que prevê punição para discriminação ou preconceito por causa de raça, cor, etnia, religião ou nacionalidade. Para esses crimes, a pena pode chegar a cinco anos de prisão. Caso houvesse a aprovação da proposta, seriam incluídos na lei crimes de ódio por gênero, sexo, orientação sexual ou identidade sexual. Porém, em 2015 a PLC-122 foi arquivada ao chegar ao Senado.

A tentativa de criminalizar homofobia pode voltar por outras propostas legislativas. Um dos mais recentes é o projeto de autoria da deputada Maria do Rosário, que tipifica crimes de ódio e intolerância contra diferentes grupos.

Grupos evangélicos e cristãos estão entre os principais críticos de leis que criminalizam a homofobia, alegando que elas poderiam impor uma “mordaça” aos líderes religiosos ao ameaçar a liberdade de expressão dos fieis. Outro argumento é que já existem leis que punem homicídios e agressões físicas no Brasil. Porém, esse pensamento não leva em conta as formas de violência mais sutil, como a verbal e a psicológica.

Motivações da Homofobia
A orientação sexual se refere a desejos e atrações sexuais de um indivíduo. No passado, a homossexualidade já foi considerada uma doença. Hoje, o Conselho Federal de Psicologia a entende como uma variação normal da orientação sexual humana. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde tirou a homossexualidade da lista de doenças ou transtornos.

A homofobia tem raízes na cultura da nossa sociedade. Tradicionalmente, a nossa cultura se assenta numa estrutura “heteronormativa”. O termo significa que a norma, o padrão ou o considerado “normal” em uma sociedade é que a pessoa seja heterossexual (sinta atração pelo gênero oposto). Nesse sentido, todas as outras formas de variações de comportamento e orientação sexual seriam consideradas “antinaturais”, como o homossexual (aquele que sente atração pelo mesmo gênero), o bissexual (atraído pelos dois gêneros) ou o assexual (que não tem desejo sexual).

Pessoas homofóbicas acreditam que a heteronormatividade é o correto, e quando elas são confrontadas com outras formas de sexualidade, não as toleram e podem sentir raiva, vontade de agredir o outro ou aversão total à aprovação de direitos individuais LGBT. Ou seja, não se trata apenas de aceitar ou não uma orientação sexual, mas de se colocar de maneira hostil e agressiva a ela, sem o respeito ao outro e às diferenças.

Casos extremos de homofobia trabalham com a “lógica do extermínio” e podem ser comparados ao sentimento de terroristas muçulmanos quererem matar ocidentais porque não têm as mesmas crenças. Ou ainda, ao preconceito de brancos contra negros durante o período do apartheid na África do Sul, que acreditava na divisão racial.

Pontos-chave
- Homofobia é a discriminação (e demais violências daí decorrentes) contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero.

- O Brasil tem uma morte de LGBT a cada 27 horas. Segundo dados da organização Grupo Gay da Bahia, nos últimos quatro anos e meio, 1,6 mil pessoas morreram em ataques homofóbicos no país.

- No Brasil, apesar dos recentes avanços em direitos LGBT, a prática da homofobia não é tipificada como crime.

Acordo histórico: Colômbia e Farc assinam cessar-fogo

PONTOS-CHAVE

• O governo da Colômbia e as Farc assinaram um cessar-fogo bilateral e definitivo.

• O conflito armado entre as Farc o exército colombiano é considerado o mais antigo da América Latina, com meio século de existência.

• A negociação entre governo e guerrilha se dá com base em cinco eixos principais: situação das vítimas, minas armadilhas e explosivos, tráfico de drogas, entrada na vida política e reforma agrária.

• O acordo também prevê o desarmamento dos guerrilheiros e a possibilidade de transformá-los em um partido político.

Uma nova era se inaugura na Colômbia. Em cerimônia na cidade de Havana, capital de Cuba, o presidente colombiano Juan Manuel Santos e o líder do grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño Echeverri, assinaram em junho um acordo de cessar-fogo definitivo, abrindo caminho para um tratado de paz que dê fim ao conflito armado mais antigo da América Latina.

Desde 1964 o conflito já matou mais de 220 mil pessoas e causou o deslocamento de seis milhões de colombianos. Ao longo dos anos, as Farc se tornaram uma organização coesa, presente em mais da metade do território da Colômbia e que chegou a ter 20 mil combatentes. As autoridades estimam que hoje existam oito mil guerrilheiros.

O acordo é o mais sólido já alcançado entre as partes, pois foi a primeira vez que desde meados da década de 1980 que ambos concordam com uma trégua bilateral. Os bastidores desse processo de paz revelam uma intensa negociação.

Desde novembro de 2012 representantes do governo colombiano e das Farc se encontram em Havana para costurar o acordo de paz. Cuba e Noruega atuam como países mediadores desse diálogo e também contam com o apoio da Venezuela e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon como observadores internacionais.

A etapa do cessar-fogo bilateral definitivo prevê o cumprimento de um cronograma para tratar diversos temas espinhosos para o fim do conflito, como o desarmamento, a reintegração à vida civil, a reparação para as vítimas das guerrilhas e garantias de segurança para os ex-guerrilheiros das Farc.

Com esse acordo, mais de sete mil guerrilheiros devem entregar as armas. Parte do arsenal de fuzis deve ser derretido para que a Organização das Nações Unidas possa criar três monumentos em homenagem à paz.

Origem das Farc
A história política da Colômbia é marcada por conflitos. Entre os anos de 1948 e 1958, os dois partidos tradicionais da República Colombiana protagonizaram um período conhecido como “A Violência”, marcado por confrontos armados. Nesse contexto, surgiram diversos grupos guerrilheiros de “autodefesa”, de inúmeras orientações políticas e ligados a diferentes partidos.

A origem das Farc é em um pequeno foco de resistência camponesa comunista. Em 1964, o movimento fez uma tentativa de fundar uma zona autônoma marxista e proclamou a criação da República de Marquetalia, que foi posteriormente atacada pelo Exército. A resposta a esse ataque foi a criação de diversos focos de guerrilha, que, unidos, se tornaram as Farc. Esses grupos montaram uma estrutura militar, com acampamentos em selvas e nas montanhas colombianas.

Inspirados pelo êxito da Revolução Cubana, o projeto político do grupo era pautado pela reforma agrária e a criação de um Estado socialista. Para isso, buscaram combater o governo. Uma das principais formas de financiamento do grupo era a cobrança do “imposto revolucionário”, uma taxa imposta à população local.

A partir dos anos 1980, os guerrilheiros também começaram a atuar no tráfico de drogas, na mineração ilegal e na indústria dos sequestros para financiar suas atividades. Em seus anos de maior atuação, as Farc praticaram sequestros, ataques e assassinatos. Por esses crimes, a organização integra a lista internacional de organizações terroristas. Apesar dos indícios, as Farc negam todas as acusações de envolvimento com o narcotráfico.

O poder das Farc na Colômbia contribuiu para o surgimento de grupos paramilitares de extrema direita, financiados por grandes fazendeiros e empresários. Muitos são contratados para assassinar guerrilheiros clandestinos e líderes de movimentos sociais. Atualmente, grupos paramilitares tentam controlar as zonas produtoras de coca e o comércio das drogas.

O que há no processo de paz?
Durante as últimas décadas, várias foram as tentativas de negociação frustradas entre o governo colombiano e a guerrilha. A negociação entre as duas partes se dá com base em cinco eixos principais: situação das vítimas, minas armadilhas e explosivos, tráfico de drogas, entrada na vida política e reforma agrária.

Pesquisas de opinião mostram que a população colombiana anseia por colocar o fim à guerra, mas tem dúvidas sobre diversos pontos do acordo. Hoje, 70% da população apoiam as negociações para a paz. Apesar disso, 80% dos colombianos se opõem à proposta de anistia aos guerrilheiros, e 77% rejeitam a possibilidade de ex-combatentes se lançando como candidatos em futuras eleições.

• Participação política
A ideia é que as Farc se tornem um partido político. Agora, o acordo prevê o estabelecimento de garantias legais e segurança para o surgimento de forças políticas de oposição.

• Reforma agrária
A reforma agrária é uma das principais reinvidicações políticas das Farc. Se prosperar, a negociação lançará bases para uma aposta robusta do governo no modelo de produção agrícola familiar nas regiões mais afetadas pelo conflito.

• Reparação das vítimas
Em dezembro de 2015, as partes anunciaram um dos acordos mais complexos da negociação que busca reparar as vítimas e sancionar os responsáveis de delitos graves. Como parte desse acordo, serão formados tribunais especiais que julgarão os guerrilheiros e agentes do Estado envolvidos em crimes relacionados com o conflito. Os principais responsáveis por crimes hediondos deverão ser julgados e punidos.

• Minas e explosivos
Mesmo se a guerra acabar, a Colômbia terá de conviver com o perigo de minas enterradas em diversas regiões. Será preciso identificar os locais infestados e realizar a descontaminação. Essas operações serão realizadas por militares e deverão durar anos.

• Tráfico de Drogas
Desde a década de 1980, o narcotráfico alimenta e agrava o conflito. Em maio de 2014, as Farc chegaram a um acordo com o governo para a substituição de cultivos ilegais de coca em áreas de influência. Segundo o governo dos Estados Unidos, as Farc controlam cerca de 70% do território onde se cultiva a coca na Colômbia.

Guerra do Contestado: 100 anos do fim


PONTOS-CHAVE

1. A Guerra do Contestado (1912-1916) foi um conflito armado que opôs forças do governo e camponeses que viviam na região disputada pelos Estados de Santa Catarina e Paraná.

2. A estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída por uma empresa norte-americana. Para a construção da estrada de ferro, milhares de famílias de camponeses perderam suas terras. Essas famílias de sertanejos pobres foram atraídas para o movimento liderado pelo Monge José Maria.

3. Em meio à disputa entre Santa Catarina e Paraná, o Monge José Maria e seus fieis fundaram “cidades-santas”, povoados autônomos que atraíam os pobres e camponeses. Vistos como fanáticos e monarquistas, os sertanejos foram reprimidos pelas forças oficiais. Estima-se que mais de 10 mil pessoas morreram na guerra.

No final de julho de 1916, Adeodato Ramos estava embrenhado na mata fugindo de tropas do exército. Ao sair para a estrada, foi avistado por uma patrulha e, então, o último líder rebelde da Guerra do Contestado se entregou. Sua captura colocou fim à revolta mais sangrenta do século 20 no Brasil.

A Guerra do Contestado (1912-1916) foi um conflito armado que opôs forças do governo e camponeses que viviam na região disputada pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. Ocorrido durante a República Velha, o sangrento conflito teve origem na disputa de terras e deixou mais de 10 mil mortos, vítimas dos combates, da fome e de doenças. No final, os rebeldes e sertanejos pobres foram violentamente massacrados.

Causas da Guerra
Vários motivos contribuíram para a eclosão da guerra. Desde o Império, Santa Catarina e Paraná tentavam definir seus limites territoriais. A região da fronteira conhecida como “contestado” era alvo de disputa judicial entre os dois Estados no início do século 20. Em 1904, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses e reafirmou sua decisão nos anos seguintes, mas a sentença era ignorada pelo governo paranaense.

O governo brasileiro autorizou a construção de uma estrada de ferro ligando os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul e que cruzava as terras do contestado. Para isso, desapropriou uma faixa de terra de 30 quilômetros ao lado da rodovia, uma espécie de "corredor" por onde passaria a linha férrea e que poderia ser explorada pela companhia que a construísse.

A responsável pela construção foi a empresa norte-americana Brazil Railway Company, do empresário Percival Farquhar. Além das terras ocupadas para a construção, ele comprou uma grande área onde fundou a Southern Brazil Lumber & Colonization, empresa que se tornou a maior companhia madeireira da América do Sul.

Originalmente, os moradores dessas regiões de concessão eram posseiros caboclos e pequenos fazendeiros que viviam da comercialização de erva-mate e da madeira. Não tinham título da terra, mas viviam há algumas gerações por ali. Com os empreendimentos de Farquhar, os sertanejos que ali moravam foram desalojados à força e passaram a viver em piores condições.

O clima ficou ainda mais tenso quando a estrada de ferro ficou pronta. Ao fim das obras, o grande número de migrantes que se deslocou para o local ficou sem emprego, formando uma legião de mão-de-obra desempregada. Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo.

O messianismo do Monge José Maria
A exemplo da Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia, a Guerra do Contestado foi uma revolta messiânica. E assim como Canudos, também tinha um fundo antirrepublicano.

O messianismo é uma doutrina que acredita que o Messias voltará para libertar o seu povo do mal e criar um lugar de paz e de prosperidade. Na história dos séculos 19 e 20, esses movimentos eram liderados por um líder carismático que fundava uma Cidade Santa, governada pelas leis divinas. Os messianismos são considerados movimentos sociais por serem coletivos e buscarem a destruição de estruturas consideradas injustas e a construção de um novo mundo a partir da fé.

O principal líder da Guerra do Contestado foi o Monge José Maria, que ganhou fama na região por seus supostos dons de cura e profecias. Ele encontrou um povo sedento por ajuda e fez a promessa de construir um povoado onde todos viveriam em paz, com prosperidade, justiça e terras para trabalhar.

Guiados pela utopia de uma vida comunitária, o grupo do beato passou a criar "cidades-santas" que atraíram os camponeses expulsos das terras pela construção da estrada de ferro. Logo o líder passou a envolver-se também com questões políticas. O Monge profetizava que a República seria um sinal dos fins dos tempos e que os caboclos deviam lutar contra o governo e pela volta do governo de Deus, o Regime Imperialista.

As comunidades eram autônomas e viviam sob os princípios da igualdade e da irmandade. Sua existência começou a incomodar os coronéis e grandes fazendeiros. Para os grupos políticos que mandavam na região, os seguidores de José Maria eram vistos como “fanáticos” e “monarquistas”. A Igreja Católica também não enxergava com bons olhos a liderança do profeta. O governo passou a acusá-lo de ser um inimigo da República, que tinha como objetivo desestruturar a ordem estabelecida.

Em 1912, o Monge José Maria foge com seus fieis para Irani (SC). A chegada do grupo foi vista pelo Paraná como uma investida de Santa Catarina para forçar a posse do território contestado.  Uma expedição paranaense é montada para prender o beato, que resulta no ataque chamado de “Combate do Irani”. O confronto acaba com a morte de José Maria e do comandante das tropas oficiais.

O episódio deflagrou a Guerra do Contestado. Com a morte de José Maria, cresceu a crença em sua ressurreição e os discípulos mais fieis voltaram a se reunir e a criar novos redutos, nos quais se seguiam os ensinamentos do monge. Era o início de uma ofensiva rebelde generalizada, também caracterizada por saques e invasões de propriedades de coronéis.

Coronéis locais, forças estaduais e Exército se uniram para combater o movimento e foram apoiados pelo presidente da República, Hermes da Fonseca. Os camponeses, armados com armas precárias como espingardas de caça, facões e enxadas, resistiram aos primeiros avanços.

Embora tenham tido pouco sucesso nos dois primeiros anos do conflito, as forças oficiais obtiveram, a partir de 1914, sucessivas vitórias sobre os revoltosos. Em muitos lugares, coronéis contrataram capangas para caçar rebeldes. Entre março e abril de 1915, após longa batalha, veio abaixo o povoado de Santa Maria (SC), a maior das cidades santas, com mais de 20.000 habitantes e que hoje está extinta.

Dados do Exército revelam que houve a participação de mais de um terço do exército republicano brasileiro, a utilização de armamento pesado e o pioneirismo da aviação militar em operações de guerra. Nesse conflito, o Exército usou pela primeira vez pequenos aviões nos combates.
Violência: Brasil tem o maior número absoluto de homicídios no mundo

PONTOS-CHAVE

1. Resultados do Atlas da Violência 2016 mostram que o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios no mundo. Uma em cada dez vítimas de violência letal reside no Brasil.

2. Homens, jovens, negros e com baixa escolaridade são a maioria das vítimas.

3. Na análise por cidades, a taxa de homicídios tem diminuído nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, e aumentado no interior.

4. Os estados que implementaram políticas de segurança mais efetivas tais como São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro testemunharam queda das taxas de mortes violentas.

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Você tem medo de ser assassinado? No ano passado, o Instituto Datafolha revelou que 8 entre 10 pessoas que vivem em cidades brasileiras têm medo de morrer assassinadas. Mas o medo é desproporcional à realidade. Ainda assim, os números registrados da violência letal estão cada vez mais elevados.

Resultados do Atlas da Violência 2016 mostram que o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios no mundo. Uma em cada dez vítimas de violência letal reside no Brasil. O estudo foi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que analisaram dados do número de vítimas de registros policiais e do Ministério da Saúde.

As informações mais recentes são de 2014, ano em que o país bateu seu recorde histórico de homicídios - 59.627 registros– o que equivale a uma taxa de homicídios de 29,1 (a taxa é calculada por 100 mil habitantes). O índice é considerado epidêmico pela Organização das Nações Unidas (ONU). Só para ter uma ideia, há dez anos, em 1996, a taxa de homicídios nacional foi de 24,8 e em 2011 e atingiu a marca dos 27,1.

Em relação à taxa de homicídios, o Brasil está em 15º no ranking mundial. Mas os dados do Atlas da Violência 2016 tornam o Brasil campeão mundial de assassinatos, em números absolutos. Segundo o relatório, “além de outras consequências, tal tragédia traz implicações na saúde, na dinâmica demográfica e, por conseguinte, no processo de desenvolvimento econômico e social”.

Segundo dados do Banco Mundial, em 2013, houve 437 mil vítimas de homicídio em todo o planeta. Chama a atenção que 14 dos 20 países considerados mais perigosos do mundo (aqueles com as maiores taxas de homicídio) estão localizados na América Latina e no Caribe.

As vítimas no Brasil: jovem, negro e pobre
O gênero, cor e a educação podem determinar as chances de alguém morrer? Segundo a pesquisa, se fossemos escolher um símbolo para personificar a principal vítima de morte violenta no país, suas características seriam um homem, jovem, negro e com baixa escolaridade. Ele ainda teria 21 anos, a idade em que o risco de ser assassinado é maior.

Isso porque os homens (92%) e jovens entre 15 e 29 anos (54%) são a maioria das vítimas. Em 2013, cerca de 29 jovens foram assassinados por dia no Brasil. E mais: a probabilidade de um jovem com escolaridade inferior a sete anos de estudo sofrer homicídio é 15,7 vezes maior do que aqueles que possuem ensino superior completo.

Em relação à cor, 77% dos jovens que morrem assassinados no Brasil são negros. E no período analisado de dez anos (entre 2004 e 2014) da pesquisa, foi registrado crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros e pardos, enquanto houve redução de 14,6% na taxa de pessoas brancas, amarelas e indígenas. Em 2014, para cada não negro que sofreu homicídio, 2,4 indivíduos negros foram mortos.

Essas discrepâncias são alarmantes. O estudo avalia que uma possível explicação é que a taxa de homicídios diminuiu mais nos Estados onde há proporcionalmente menos negros, como na região Sudeste e no Sul. Ainda assim, se a comparação for feita por unidade federativa, a violência contra a população negra é maior em quase todos (à exceção de Roraima e Paraná), o que mostra que o grupo está mais exposto a situações de vulnerabilidade e que essa situação reflete o racismo estrutural do país. 

Os Estados
Entre os Estados, a situação de Alagoas é a que mais preocupa. Os alagoanos estão no topo do ranking, com taxa de 63 homicídios por 100 mil habitantes. Em seguida aparecem Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Goiás, Pará e Mato Grosso. O Estado que tem a menor taxa é Santa Catarina (12,7%). Se Alagoas fosse comparado aos países mais violentos, ele estaria em segundo lugar na lista.

Em seis Estados brasileiros, o aumento das taxas foi superior a 100%, todos na Região Nordeste. O Rio Grande do Norte foi o que apresentou maior crescimento no indicador (308%), seguido do Maranhão (209,4%) e Ceará (166,5%).

Por outro lado, São Paulo teve a maior redução na taxa de homicídios, com queda de 52,4% entre 2004 e 2014. Outros sete Estados apresentaram redução no indicador no mesmo intervalo: Rio de Janeiro (-33,3%), Pernambuco (-27,3%), Rondônia (-14,1%), Espírito Santo (-13,8%), Mato Grosso do Sul (-7,7%), Distrito Federal (-7,4%) e Paraná (-4,3%).

Nos Estados em que se verificou queda, o estudo identificou que políticas de segurança pública foram adotadas, como no caso de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Pernambuco, esse último, o único do Nordeste a diminuir a taxa.

Ações como a integração da Polícia Militar no Paraná, a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro e o programa Pacto Pela Vida em Pernambuco foram citadas como possíveis contribuições para a queda.

No estado pernambucano, por exemplo, o programa do governo começou em 2007 e a curva de homicídios caiu nos anos seguintes. Apesar dos avanços, os dados da violência do PE voltaram a subir este ano e o motivo apontado é justamente a falta de continuidade das políticas do programa criado.

Diminuição nas grandes cidades e aumento nas cidades do interior
Na análise por cidades, a taxa de homicídios tem diminuído nas grandes cidades e aumentado no interior. As maiores quedas da violência letal ocorreram nas localidades com maior população, enquanto os maiores aumentos aconteceram em localidades com menor povoamento, mas com crescimento rápido.

Entre 2004 e 2014, a maior diminuição da taxa foi observada em São Paulo (-65%), com quase 15 milhões de habitantes. A queda seria resultado de novas políticas públicas de segurança, como a integração das polícias Civil e Militar e o desenvolvimento de sistemas de informações mais eficientes, voltados às atividades de inteligência e análise criminal.

O crescimento mais acelerado foi observado na microrregião de Senhor do Bonfim, na Bahia, com aumento de 1.136,9% no mesmo período. Outro destaque é Cajazeiras, na Paraíba, que teve alta de 771%.

Desarmamento e a violência
A grande maioria dos homicídios no Brasil é cometida com armas de fogo (76%). Segundo o estudo, o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, teria contribuído para uma menor circulação de armas no país. O estudo estima que, se ele não tivesse sido implementado, o número médio de homicídios entre 2011 e 2013 seria de 77.889, e não de 55.113.

O Estatuto passou a exigir do interessado em comprar arma para sua defesa alguns requisitos básicos, como teste de aptidão e psicológico. Segundo o IPEA, após a lei, a média de armas compradas anualmente no mercado civil brasileiro caiu 40%. Não se sabe o número de armas ilegais no país.

O que faz o Brasil matar demais?
 A violência é um fenômeno social complexo, influenciado por diversos fatores. Segundo especialistas, as desigualdades econômicas e sociais estruturais, a criminalidade associada ao tráfico de drogas, a existência de grupos de extermínio, as práticas repressivas em detrimento das ações preventivas e de investigação, a violência policial e as altas taxas de impunidade da Justiça (somente 5 a 8% dos homicídios no Brasil chegam a virar processo criminal) são algumas explicações para as altas taxas do país.

Brexit: Reino Unido decide deixar a União Europeia


Os pontos-chave

1. Plebiscito do Reino Unido votou por saída da União Europeia e a decisão histórica foi chamada de Brexit.
2. Políticos britânicos que apoiam a saída consideram que o Reino Unido deve criar restrições a imigrantes e de exercer uma política econômica independente da União Europeia.
3. A grave recessão econômica e o aumento do número de refugiados reacendeu o sentimento anti-imigração, a xenofobia e o medo de que os estrangeiros passem a competir no mercado de trabalho com o cidadão britânico.
4. A decisão do Reino Unido pode balançar o futuro da União Europeia e estimular outros países-membros a sair do bloco.

Em junho, um plebiscito foi realizado por todo o Reino Unido, perguntando se a população queria continuar ou sair da União Europeia (UE). A votação foi apertada e apontou que 52% dos britânicos apoiam a saída do bloco comum. A decisão gerou grande repercussão.

Após a inesperada vitória do “sim”, o primeiro-ministro britânico David Cameron anunciou que vai renunciar, por não concordar com o resultado. "Um novo primeiro-ministro precisa liderar as negociações sobre a saída da Grã-Bretanha da UE", disse ele.

O Reino Unido é formado pela Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia. A União Europeia foi criada oficialmente em 1992 e se tornou o maior bloco econômico do mundo, com 28 países da Europa. Suas origens remontam à Comunidade Econômica Europeia (CEE), criada em 1957. O Reino Unido aderiu à CEE em 1973.

A União Europeia representa hoje um processo bastante avançado de integração econômica, garantindo a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Além disso, diversos membros adotaram uma moeda comum, o Euro, e uma plataforma política e de valores democráticos, com o funcionamento de um Parlamento Europeu que possui responsabilidades legislativas, orçamentais e de supervisão.

Desde que foi criada, nenhum país-membro deixou a União Europeia e a decisão do Reino Unido é inédita. O rompimento histórico dos britânicos com a UE está sendo chamado de “Brexit”, expressão que mistura as palavras “Britain” (“Bretanha”) e “exit” (“saída”). A palavra foi usada inicialmente para identificar o movimento de quem estava a favor da saída.

A campanha pelo Brexit foi liderada por vários políticos conservadores. Alguns políticos de esquerda também apoiam a saída e criticam as políticas de austeridade fiscal e liberalismo econômico promovidas pelo bloco.

Um dos principais articuladores do movimento foi o partido nacionalista UKIP. Horas antes do resultado das urnas, o então líder do UKIP, Nigel Farage, desejou que o resultado do referendo "leve à destruição deste projeto falhado [a UE] e permita criar uma Europa de nações soberanas com relações comerciais".

Ao longo da campanha, Farage e outros políticos atiçaram o eleitorado com uma propaganda que foi acusada de exagerar os riscos trazidos pela imigração e de apelar para a identidade nacional. O argumento central era de que o Reino Unido não poderia controlar o número de pessoas entrando no país enquanto continuasse no bloco.

Esses políticos favoráveis ao Brexit consideram que o Reino Unido deve exercer a soberania nacional e ditar suas próprias regras. Entre as reivindicações, o desejo de criar restrições a imigrantes e de exercer uma política econômica independente (que não dependa das decisões da União Europeia).

O que muda com a saída do Reino Unido?
O futuro ainda é incerto. A saída do Reino Unido da UE ainda não tem data definida para acontecer e o processo de afastamento deve ser feito gradualmente em até dois anos. Para sair do bloco, o Reino Unido deve informar formalmente a sua intenção e protocolar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que regula o desligamento de membros do bloco. As negociações da saída serão conduzidas por outro premiê que ainda será eleito.

O mercado único, sem impostos nem tarifas comerciais, é o grande motor das relações comerciais na Europa. No processo de saída, o Reino Unido deixará de fazer parte dos tratados que a UE celebra e pode levar alguns anos para alterar todas as leis e acordos de cooperação entre os membros do bloco e negociar novas relações comerciais com os vizinhos.

O mercado financeiro avaliou a decisão dos britânicos como extremamente negativa. Analistas indicam que a economia britânica poderá sofrer perdas significativas de investimentos e benefícios comerciais. Especialistas do FMI (Fundo Monetário Internacional) se pronunciaram afirmando que o desemprego aumentaria e o valor da libra esterlina (moeda britânica) cairia.

Risco de contágio
O maior temor é que outros países da União Europeia possam optar pelo mesmo caminho do Reino Unido. “O resultado do referendo é um divisor de água para o projeto europeu”, disse a chanceler alemã Angela Merkel. Por outro lado, alguns analistas acreditam que o Brexit servirá de estímulo para mudanças no funcionamento da União Europeia e que pode impulsionar uma reforma da política de imigração.

O fato é que muitos europeus estão descontentes com o bloco. Uma recente pesquisa conduzida pelo Instituto Ipsos Mori, revelou que 45% dos europeus entrevistados acreditam que seu país deve convocar um referendo de igual teor ao realizado pelo Reino Unido. Entre os italianos, 58% da população quer um referendo e 48% votaria pela saída, caso essa consulta acontecesse. Já entre os franceses, 55% deseja esse referendo e 41% também votaria em deixar o bloco.

Um dos mais fortes candidatos a sair da União Europeia é a Grécia, que enfrenta uma grave crise econômica. Recentemente a União Europeia interveio no país e concedeu novos empréstimos sob a condição de que o país impusesse várias medidas de austeridade, o que acabou piorando a situação.

Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego e líder do partido Syriza, ponderou que a decisão britânica reflete "as escolhas extremas de austeridade que aprofundaram a desigualdade entre países do norte e do sul, as cercas e as fronteiras fechadas e a recusa em dividir o fardo das crises financeiras e de refugiados".

Mas nem todos os membros do Reino Unido concordam com o resultado do plebiscito. A Escócia, por exemplo, protestou oficialmente contra a saída da UE. Após o plebiscito, Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa, disse que “um novo referendo de independência na Escócia é muito provável” e que considera “democraticamente inaceitável” que os escoceses, que votaram em sua maioria pela permanência no bloco, sejam excluídos da UE.

Imigração, refugiados e xenofobia
O tema da imigração é um dos principais focos de tensão na Europa. Um dos motivos é que a União Europeia adota o princípio da livre circulação entre os Estados-Membros. Na prática, as fronteiras internas dos países são abertas aos cidadãos da UE, que só precisam apresentar o bilhete de identidade ou o passaporte para entrar no chamado Espaço Schengen (países signatários do Acordo de Schengen). Cerca de 3 milhões de cidadãos da UE vivem no Reino Unido, que é a nona  com a maior proporção de imigrantes do bloco no universo da população total.

Recentemente, guerras e conflitos no Oriente Médio e na África levaram milhões de refugiados a fugir da crise humanitária e buscar as fronteiras da Europa. A Síria, por exemplo, que vive uma guerra civil desde 2011, já gerou o deslocamento de mais de 4 milhões de pessoas para os países vizinhos. O destino final de preferência são os países europeus. A Alemanha espera a chegada de cerca de 800 mil refugiados neste ano.

Refugiados e imigrantes são categorias diferentes de estrangeiros. O refugiado vai para outro país por uma questão de sobrevivência, em razão de perseguição política ou conflitos. Já o imigrante busca emprego, estudo e melhores condições de vida.

Além do intenso fluxo de refugiados, a ameaça terrorista, que aumentou após os ataques em Paris, levanta a suspeita de que terroristas e grupos radicais entrem no espaço da UE e se desloquem com facilidade.

Essa onda migratória de refugiados e o medo da violência eleva a pressão sob as fronteiras da UE e reacende o preconceito contra estrangeiros. Em grego, “xénos” significa estrangeiro. “phobos”, “fobia”, ou seja, medo. É da junção dessas duas palavras que surgiu o termo xenofobia: medo ou aversão ao estrangeiro.

No Reino Unido, após o resultado do plebiscito, ataques xenófobos aconteceram contra estrangeiros nas redes sociais e em diversas regiões. Uma das comunidades mais atingidas foi a de imigrantes poloneses. Na sede da associação da comunidade polaca, cartões com a frase "Deixem a União Europeia, não queremos mais insetos polacos" foram distribuídos pelas caixas do correio das famílias polacas e entregues nas imediações de escolas no condado de Cambridgeshire. Atualmente 850 mil poloneses vivem no Reino Unido.

A xenofobia se agravou no Reino Unido a partir de 2008, com a crise financeira que levou o governo a adotar medidas de austeridade fiscal. A grave recessão econômica reacendeu o sentimento anti-imigração e o medo de que os estrangeiros passem a competir no mercado de trabalho e a disputar benefícios sociais com o cidadão britânico. Por outro lado, diversos estudos mostram que os imigrantes europeus contribuem para a economia britânica e para o dinamismo do mercado de trabalho, em um continente que envelhece cada vez mais e que terá dificuldades no equilíbrio da Previdência Social.

O sentimento de xenofobia dos europeus deve se agravar nos próximos anos. A Hungria, que tem o partido político de extrema-direita Jobbik, levantou um muro na fronteira com a Sérvia. Na França, cresce a influência do Frente Nacional, partido político de extrema-direita comandado por Marine Le Pen e que tem como um dos pilares principais a contenção da imigração para a Europa, e uma agenda anti-UE.

Dívida pública: Municípios e Estados brasileiros estão com os cofres vazios

Pontos-chave

A grave crise econômica do Brasil afetou a arrecadação de impostos do governo e desestabiliza o equilíbrio financeiro das cidades, que têm forte dependência das verbas da União. Em 2016, 60% dos municípios vão fechar o ano com contas a pagar.
Com contas em vermelho, as prefeituras cortam despesas e reduzem o funcionamento dos serviços essenciais oferecidos à população.
Os estados sofrem com o aumento da dívida e dos gastos com pessoal. Estados entraram com recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para decidir o tipo de juros aplicados no pagamento da dívida.
Os municípios devem cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina um limite e um percentual de gasto com o funcionalismo que não pode ser descumprido.
O pacto federativo, entre outras coisas, define a forma como a receita tributária e as atribuições de União, estados e municípios estão distribuídas na Constituição. Vários projetos visando a descentralização desses recursos estão em tramitação no Congresso.
Falta de remédios nos hospitais. Redução da merenda escolar. Ambulâncias sem gasolina. Carros de polícia sem manutenção. Lixeiros em greve. Aposentados sem receber. Suspensão de programas sociais. Esse cenário de colapso financeiro pode se tornar a realidade da maioria das cidades até o final do ano. Isso porque a crise econômica do Brasil afetou a arrecadação de impostos em todos os níveis do governo e deixou as contas públicas mais desequilibradas.

Em 2015, o PIB do Brasil (a soma da riqueza de um país) recuou 3,8% - a maior queda em 25 anos. Com a economia em recessão, caiu o recolhimento de tributos vinculados ao setor industrial e ao comércio. Entre 2014 e 2015, a arrecadação caiu 4,5%. Com menos emprego e renda, as pessoas diminuem o consumo e, com isso, também há um recolhimento menor de impostos.

Enquanto a economia não se recupera, a previsão do governo federal é terminar o ano de 2016 com um déficit (quando as despesas são maiores que as receitas) de R$ 170,5 bilhões. Esse seria o maior rombo fiscal na história do país, resultado da queda das receitas e do aumento contínuo das despesas. Será o terceiro ano seguido com as contas no vermelho. Em 2014, houve um déficit de R$ 32,5 bilhões e, em 2015, o rombo foi de R$ 111 bilhões.

Diante da queda, o governo teria que cortar gastos e/ou elevar impostos para fechar as contas e evitar um endividamento descontrolado. Em 2015, ele já começou a aumentar tributos sobre carros, cosméticos, água, luz, bebidas, combustível, entre outros. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em 2016, o brasileiro trabalhará 153 dias ou cinco meses somente para pagar impostos e taxas aos cofres públicos.  Esse comprometimento chega a 41% da renda. Um aumento de impostos poderia gerar ainda mais recessão.

Apesar do aumento na receita, nos últimos anos, os gastos do governo só cresceram: com Previdência Social, salário de servidores e gastos obrigatórios que não podem ser reduzidos por lei (como educação e saúde). Existe ainda a questão das desonerações de impostos promovidas pelo governo federal para enfrentar os efeitos da crise internacional de 2008 e incentivar a atividade econômica em determinados setores produtivos. Entre 2009 e 2013, o governo abriu mão de arrecadar R$ 6,1 bilhões de IPI (imposto sobre produtos industrializados). Mas essas desonerações não surtiram o efeito desejado e diminuíram ainda mais as receitas.

Hoje a matemática é simples. O governo gasta mais do que arrecada e tem pouco dinheiro para investir. Os municípios são a parte mais frágil dessa situação financeira. O Brasil possui hoje 5.568 municípios. Em 2015, 42,6% deles não conseguiram pagar todas as suas despesas. O número pode aumentar. Segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 60% das prefeituras vão terminar o ano de 2016 no vermelho.

Sem dinheiro em caixa, essas prefeituras não possuem recursos para despesas como o pagamento de salários de funcionários e fornecedores, benefícios sociais, obras de infraestrutura, além de serviços públicos essenciais como saúde, educação do ensino fundamental e infantil, segurança e limpeza urbana.

O orçamento apertado atinge diretamente o funcionalismo público e a qualidade dos serviços. Em 576 cidades do Brasil, os prefeitos não têm conseguido pagar em dia o salário dos servidores. Desse total, 11% estão com atraso superior a seis meses, segundo levantamento da CNM. Em 2015, por exemplo, sete em cada dez municípios de Minas Gerais tiveram alguma dificuldade para pagar o 13º de funcionários.

Um dos primeiros sintomas da crise foram problemas na educação e na saúde. Cerca de 70% dos municípios da pesquisa da CNM estão com dificuldades na área, como o pagamento do piso do magistério, incapacidade de transporte para a zona rural e falta de merenda escolar. Na saúde, 55% sofrem com a falta de medicamentos e 33% relatam a falta de médicos em postos de saúde.

Os municípios têm três fontes de receita: a arrecadação própria (de Imposto Territorial, Imposto sobre Serviços e outras taxas), uma parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) arrecadado pelo estado a as transferências de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), composto pela arrecadação do Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produto Industrializado (IPI).

O grande problema das cidades é a forte dependência das verbas da União. Atualmente, apenas 10% delas conseguem obter, por seus próprios meios, receita para sustentar suas despesas. A principal fonte de receita da maioria dos municípios (para 60% deles) são os repasses da União do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Os repasses do FPM são fundamentais principalmente para as pequenas cidades e para as que possuem baixa atividade econômica e que não conseguem gerar receitas. No primeiro trimestre desse ano, o fundo diminuiu seus recursos em 14% em comparação com o mesmo período do ano passado. Como a dependência do FPM é alta, quanto menos o governo federal arrecada, menos recebem as prefeituras.

Estados endividados
Em relação aos Estados, o problema da deterioração das contas é o elevado endividamento e o crescimento das despesas com funcionários públicos. Com a crise econômica, os juros e o dólar aumentaram e o cenário de endividamento se agravou.

Os Estados com maiores dívidas em 2015 são o Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e São Paulo. O Rio de Janeiro fechou o ano de 2015 com o maior endividamento junto a bancos federais, segundo dados do Tesouro Nacional. Foram R$ 21 bilhões em dívidas.

O Rio Grande do Sul, que fechou o ano de 2015 com a dívida em 227% da receita, ou R$ 68 bilhões – bem acima do estipulado pela lei, que determina um teto de 200% sobre a receita. Desde 2015 o governo gaúcho vem atrasando o pagamento da dívida com a União. Quando isso acontece, o Estado fica impedido de contrair novos empréstimos e de receber transferências voluntárias do governo federal, como os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Mas a dívida não é a única culpada. Segundo o Ministério da Fazenda, o maior gasto dos Estados foi com o aumento da folha salarial. Um estudo do ministério mostra que a folha de pagamento em todos os Estados e no DF subiu, em média, 96,6% entre 2009 e 2015.

No Rio de Janeiro, essas despesas subiram 146% durante o período analisado. Nos últimos meses, o RJ atrasou e parcelou o pagamento de servidores públicos e aposentados. Este ano, o governo fluminense indicou que todos os órgãos e entidades da administração estadual terão de reduzir, em pelo menos, 30% suas despesas.

Em 2016, diversos Estados tentam renegociar as dívidas com a União. No início deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou ações de 11 estados e começou a julgar se eles podem usar juros simples no cálculo das dívidas com a União. Hoje está em vigor os juros compostos. A decisão final deve sair no final de junho e poderá ajudar os estados a pagarem menos que o exigido pelo governo.

O problema da chamada dívida pública dos Estados vem se agravando desde a década de 90. Em 1997, houve uma grande negociação e a União assumiu as dívidas dos Estados. Os governos estaduais passaram a dever para o Tesouro e melhoraram os prazos de pagamento e taxas desse endividamento. Esses contratos de dívidas passaram a ser reajustados sob a forma de juros compostos.

Ao trocar a lógica dos juros compostos para os juros simples, os saldos devedores dos Estados diminuirão consideravelmente. Porém, o Ministério da Fazenda calcula que o governo federal pode perder R$ 313 bilhões se o STF confirmar as decisões liminares e permitir aos estados pagarem suas dívidas com juros simples. Para o ministério, a solução seria alongar o prazo desses débitos, o que geraria um alívio extra no pagamento das parcelas mensais das dívidas.

A Lei da Responsabilidade Fiscal
Muitos países adotam princípios e práticas de responsabilidade fiscal para que a administração pública apresente condições que promovam estabilidade e crescimento. No Brasil, a principal ferramenta é a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000) que visa combater os gastos e endividamentos desenfreados públicos. Ela foi inspirada em experiências de países da União Europeia, do Canadá e da Nova Zelândia.

A Lei de Responsabilidade Fiscal determina um limite e um percentual de gasto com o funcionalismo que não pode ser descumprido. Ela fixa o limite de até 60% das receitas com a folha de pessoal. A prefeitura que ultrapassar o limite poderá ter punições, como deixar de receber transferências do governo federal, ser penalizada com multa ou até mesmo ter a prisão do gestor decretada em casos extremos.

O grande desafio dos Estados e municípios é realizar um planejamento financeiro eficiente e deixar os gastos dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com a atual crise, muitas administrações não vão conseguir cumprir a lei.

Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que, até abril, 22,5% das prefeituras haviam ultrapassado o limite com a folha de pessoal fixado pela LRF. A lei dispõe que, nesses casos, as prefeituras não poderão receber transferências voluntárias e de projetos e nem contratar empréstimos que não se destinem à redução de despesas com pessoal.

O problema mais grave é na região Nordeste. A CNM calcula que cerca de 80% dos 1,8 mil municípios do Nordeste descumprem o limite de gasto com pessoal, correndo o risco de não conseguir honrar os compromissos e manter o equilíbrio orçamentário por muito mais tempo.

O Pacto Federativo
A legislação determina quais impostos a União, Estados e municípios podem cobrar e quais despesas têm de pagar. A Constituição de 1988 determinou as regras de distribuição das receitas tributárias da União entre os três entes federativos.

Os constituintes de 1988 atribuíram à União a maior parcela da receita fiscal, para que a atuação dela reduzisse os fortes desequilíbrios regionais do país. Houve um incremento de aporte de recursos aos municípios, mas em contrapartida, novas atribuições foram transferidas para a responsabilidade deles.

O problema é que, ao definir as atribuições, a Constituição criou necessidades e deveres, sem ter assegurado as fontes de recursos. Assim, muitas cidades são obrigadas a prestar serviços essenciais, mas não têm receita financeira ou capacidade para arcar com esses custos.

A Câmara dos Deputados possui diversas propostas de alterações no sistema do Pacto Federativo. Segundo os defensores dessas medidas, um novo pacto federativo pode ajudar a reduzir os desequilíbrios regionais, evitar a guerra fiscal e impedir que a União prejudique as finanças dos demais entes federativos no atendimento das necessidades da população.

Uma dessas propostas é a PEC 172/2012, que impede a imposição ou transferência por lei de qualquer encargo ou prestação de serviços aos estados ou aos municípios, sem a previsão de repasses financeiros necessários ao seu custeio, como proposto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para prefeitos e governadores, o governo federal precisa dividir melhor o bolo e dar maior autonomia fiscal aos entes federativos. Por exemplo, o sistema federativo brasileiro concentra as receitas arrecadadas na União e transfere para os estados 24% e para os municípios 18% dessa arrecadação.


Reforma política: O que está em discussão?

O recente processo de abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff que ocorreu em maio na Câmara dos Deputados e no Senado mostrou o perfil de parlamentares que muitos eleitores ainda não conheciam. Dos 511 deputados que participaram da votação histórica, apenas 34 tiveram votos suficientes para se elegerem sozinhos. Eles foram eleitos por causa do sistema de voto proporcional (explicação abaixo). O sistema dá margem para que um candidato seja eleito com relativamente poucos votos pessoais porque seu partido recebeu muitos votos.

A votação do impeachment e os protestos de 2013 retomaram o debate da necessidade de uma reforma política, um conjunto de propostas de leis e regulamentações para mudar as regras do nosso sistema político. Ela tem vários objetivos, como acabar com distorções, definir o sistema eleitoral, facilitar a participação plena da população no direito de escolher seus representantes políticos, diminuir a corrupção e reduzir os gastos públicos.

A ideia de uma reforma política não é nova. Desde que a Constituição foi promulgada, em 1988, já se discute o tema. Em 2013, a presidente Dilma Rousseff (PT) propôs a realização de um plebiscito para instituir uma Assembleia Constituinte exclusiva para realizar uma reforma política que contaria com cinco pontos-chave: financiamento de campanhas, sistema eleitoral, suplência no Senado, coligações partidárias e voto secreto no Senado. Em 2015, o Congresso Nacional votou alguns itens da PLC 75/2015 que trata da reforma política, mas a maioria das medidas aprovadas pouco alterou a atual estrutura política do Brasil.

Uma das decisões mais importantes veio do Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro de 2015 o STF julgou inconstitucional o financiamento e a doação de empresas a partidos e candidatos nas eleições. Serão permitidas somente doações de pessoas físicas (limitadas a 10% dos rendimentos no ano anterior) e recursos do fundo partidário. A decisão é válida a partir das eleições de 2016 e pretende evitar desequilíbrios no processo eleitoral, como a corrupção e a influência do poder econômico no resultado das eleições. A Operação Lava-Jato, por exemplo, descobriu que empreiteiras usaram doações a partidos como moeda de troca para contratos de obras públicas. Veja o que está em discussão na reforma política:

Fim do voto proporcional
No sistema de voto proporcional, as eleições de deputados federais, estaduais e vereadores dependem do cálculo do quociente eleitoral, a quantidade necessária de votos para a eleição de um deputado em seu Estado. O quociente é definido pela divisão do número de votos válidos pela quantidade de vagas que cabe a cada Estado. A partir desse cálculo, são estipuladas as vagas a que cada partido terá direito. Assim, o eleitor tem que ficar de olho em qual partido vai votar. O problema é que os votos acabam indo para deputados que o eleitor não escolheu. Candidatos com poucos votos podem ser eleitos, “puxados” por aqueles mais votados do mesmo partido, mas que não defendem os interesses do eleitor. Em 2014, Celso Russomanno (PRB), deputado federal mais votado em São Paulo, ajudou a eleger outros quatro candidatos. Na mesma eleição, o deputado federal Tiririca levou mais dois deputados do PR para o Congresso.

Voto distrital
Uma das alternativas ao sistema proporcional seria a adoção do voto distrital. Nesse modelo, os Estados seriam divididos em distritos de acordo com o número de vagas para deputados, garantindo uma quantidade semelhante de eleitores em cada um. Com isso, seria eleito no distrito só o candidato que obtivesse mais votos, independentemente da votação do partido. Os defensores dessa fórmula argumentam que a proposta aproxima o candidato de seu eleitorado e garante a representatividade de todas as partes do Estado. Quem é contra afirma que tende a fortalecer os chamados “caciques regionais” (políticos poderosos) e eliminar as minorias – que podem ficar sem representação se não atingirem a maioria em nenhum distrito.

Limite do número de partidos
O sistema eleitoral brasileiro é partidário, ou seja, os candidatos a se elegerem precisam estar filiados a partidos políticos. Em 2015, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu oficialmente três novos partidos políticos – o Partido Novo, a Rede Sustentabilidade e o Partido da Mulher Brasileira. Hoje o Brasil tem 35 partidos registrados oficialmente na Justiça Eleitoral. Quem defende o limite de siglas argumenta que o atual número dificulta a governabilidade, como o apoio de bancadas a propostas a serem votadas. Alguns partidos pequenos também são criticados por um problema: não possuem candidatos e cedem seu tempo no horário político na TV para siglas maiores e depois são recompensados com cargos ou ministérios. Para diminuir esse número de partidos, pode ser criada uma cláusula de barreira. Só entra no Poder Legislativo quem conseguir uma porcentagem mínima de votos nacionais, por exemplo, 5 a 8%. O problema é que partidos pequenos teriam dificuldade de atingir a porcentagem e crescer. 

Fundo Partidário para todos
O Fundo Partidário destina mensalmente recursos públicos para assistência financeira aos partidos políticos registrados na Justiça Eleitoral. Todos os partidos têm direito a uma parte maior ou menor do Fundo Partidário e do tempo de propaganda no rádio e na TV. A proposta de restrição limita o direito a recursos do Fundo Partidário e do tempo de mídia para partidos que tenham concorrido com candidatos próprios (sem levar em conta a coligação) e que tenham elegido pelo menos um representante para a Câmara dos Deputados ou Senado.

Fim da reeleição
A reeleição para os cargos executivos foi adotada em 1997, no governo de Fernando Henrique, que se reelegeu presidente. No modelo atual, os governantes (presidente, governador e prefeito) se elegem para exercer um mandato de quatro anos, com direito à reeleição. A nova proposta parte do entendimento de que o detentor de cargo executivo leva vantagem sobre seus concorrentes, já que tem mais visibilidade. A alternância no poder permite diferentes pontos de vista para lidar com os problemas do país, mas pode dificultar projetos de governo que buscam resultados no longo prazo. A proposta de mudança geralmente está associada à ampliação dos mandatos para cinco anos.

Fim do voto obrigatório
No Brasil, o voto é obrigatório para todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70. O voto só é facultativo aos maiores de 16 e aos analfabetos. Mas muitas pessoas votam ser ter uma consciência política, apenas pela obrigação e não porque se identificam com as proposta do candidato. Atualmente, vários países, entre eles EUA, Alemanha e Inglaterra, adotam o voto facultativo, pelo qual o cidadão decide livremente comparecer ou não às urnas. O ponto negativo é que o processo democrático pode acabar nas mãos de poucos ou estimular a prática do “voto de cabresto”, a troca do voto por benefícios pessoais.

Parlamentarismo
Um sistema de governo é a forma como o poder político de um país é dividido e exercido. A democracia brasileira é dividida entre os poderes Legislativo (cria leis), Executivo (executa as leis) e Judiciário (verifica se as leis são cumpridas). O poder legislativo brasileiro é exercido pelo Congresso Nacional, que, por sua vez, é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. O Presidente da República é eleito pelo povo e atua como a autoridade máxima do Poder Executivo.

A adoção do parlamentarismo substituiria o atual presidencialismo de coalizão, modelo no qual o presidente precisa construir uma base aliada entre os congressistas para conseguir aprovar suas propostas. Este modelo estimula uma barganha por parte do Executivo, que oferece cargos da administração pública a partidos em troca de apoio às propostas do governo. O resultado é a crise de representatividade enfrentada por diversos presidentes. No parlamentarismo, a chefia do governo é exercida por um primeiro-ministro eleito pelos parlamentares. Desta forma, o Congresso ganharia mais poder na política nacional. A fragilidade do sistema é que bancadas menores teriam dificuldade de aprovar propostas.

Unificação das eleições
Hoje as eleições acontecem a cada dois anos, intercalando pleitos para prefeitos e vereadores em um ano, e para presidente, governadores, deputados e senadores dois anos depois.  A proposta de eleições unificadas pretende realizar eleições no mesmo ano. Dessa forma, haveria redução nos custos das eleições.


Cultura do estupro: Você sabe de que se trata?

Estupro. A palavra é forte. O crime, bárbaro. Pior, a violência sexual é um medo pelo qual praticamente toda mulher já passou em algum momento da sua vida.

E esse temor pode morar em situações corriqueiras, como ao entrar no ônibus de noite sozinha ou andar por uma rua mal iluminada e sem companhia. Agora, pense, será que esse medo deveria ser assim, algo quase naturalizado em nossa sociedade?

Na última semana, dois casos de estupro recolocaram esse tipo de violência na pauta. O assunto voltou com força -- nas redes sociais e fora delas.

Os crimes que ganharam as telas dos computadores e das TVs: uma adolescente de 16 anos foi violentada por um grupo (talvez mais de um grupo) de homens no Rio de Janeiro, e teve vídeos disponibilizados na internet da agressão. No Piauí, uma outra adolescente, de 17 anos, foi violentada por quatro menores e um homem de 18 anos.

O que espanta, nos dois casos, é uma reação de "normalidade", de "naturalidade" com que os agressores trataram seus crimes. No caso da adolescente fluminense, o vídeo começou a circular nas redes sociais como se fosse um troféu -- com a circulação do vídeo, centenas de denúncias começaram a chegar no MP (Ministério Pùblico) antes mesmo de a menina ir à polícia. O delegado responsável pelo caso do Piauí conta que os menores disseram julgar "normal" o sexo do colega com a menina desacordada.

O que caracteriza o estupro é ausência de consentimento. O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro. A lei brasileira de 2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência. Ou seja, não importam as circunstâncias, se foi contra a vontade própria da pessoa ou ela está desacordada é crime. Antes, o ato só era caracterizado quando havia conjunção carnal com violência ou grave ameaça.

Diante da perplexidade de todos, os movimentos feministas e pelos direitos humanos passaram a fazer campanhas contra a "cultura do estupro".

Mas, afinal, o que é cultura do estupro?

A expressão "cultura do estupro" surgiu nos anos 1970 e foi usada por feministas para indicar um ambiente cultural propício a esse tipo de crime por ter mecanismos culturais (normas, valores e práticas) em que as pessoas acabam naturalizando e aceitando algumas violências em relação à mulher.

Segundo esse conceito, o princípio que norteia essa cultura é a desigualdade social existente entre homens e mulheres. As mulheres são vistas como indivíduos inferiores e, muitas vezes, como objeto de desejo e de propriedade do homem -- o que autoriza, banaliza ou alimenta diversos tipos de violência física e psicológica, entre as quais o estupro. 

"Ela provocou”, “ela estava de saia curta”, “ela não deveria sair sozinha”, “ela não deveria estar na rua naquela hora”, “ela não deveria ter bebido” ou “ela é uma mulher fácil” -- quando surge esse tipo de comentário que coloca em dúvida a denúncia da vítima, estamos diante de um traço da famigerada cultura do estupro.

Nesse contexto, as mulheres acabam se sentindo responsáveis, culpadas pela violência que sofreram e ficam com vergonha de denunciar.

Outra situação recorrente é quando surge a argumentação de que o homem não consegue controlar seus instintos diante de uma mulher por quem sente atração e, por isso, ele não teria culpa pela sua falta de controle. É como se o ato brutal, a agressão, a violação fosse mera questão sexual como se a responsabilidade não fosse do agressor já que ele "não consegue se controlar".

A piada machista e depreciativa, o meme que compara uma mulher a um animal, o assédio no trabalho, a cantada na rua, o xingamento a uma mulher que se veste com roupas curtas, o silêncio e a omissão diante de um caso de agressão. Todos esses atos e exemplos reforçam e sustentam a violência contra a mulher. São comportamentos e hábitos vistos como banais, mas que podem reforçar a ideia de que a mulher seja vista como um objeto ou como alguém que vale menos.

Em uma cultura de estupro, o que se naturaliza são as diversas formas de violência associadas à sexualidade da mulher e seu direito ao próprio corpo e a seus desejos.

Crime sem denúncias e falta de punição

Quando se fala em “estuprador”, é recorrente que a imagem seja de um sujeito doente, um psicopata, um “monstro” à espreita perseguindo mulheres na rua.

Mas a maioria dos casos de violência é praticada por homens considerados pessoas "comuns" pela sociedade e, em muitas situações, os abusadores são parentes ou amigos próximos da vítima.

O levantamento realizado pelo Ipea aponta que 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima.

Dados de 2014 registraram a ocorrência de 47,6 mil episódios de violência sexual contra as mulheres. Isso significa que, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no país. Em 2015, as delegacias registraram 51.090 ocorrências. Mas o número de vítimas pode ser ainda maior.

Segundo estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 527 mil pessoas sofrem algum tipo de violência sexual por ano no Brasil. A projeção foi feita em 2013 e tem como base dados do Ministério da Saúde, que fez o levantamento de vítimas em hospitais e postos de saúde da rede pública.

A incerteza do número de casos de estupro se deve ao fato de ele ser um dos crimes mais subnotificados no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, 68% das ocorrências não são denunciadas pelas vítimas. No Brasil, o número é similar. Dados do Ministério da Justiça revelam que 64% das agressões sexuais não são notificadas na polícia para posterior investigação e punição.

Entre os motivos de a vítima não denunciar a violência estão a vergonha moral do ato, o medo do julgamento social, o sentimento de culpa e o medo de ser julgada e maltratada por autoridades e por aqueles de quem deveria receber apoio e ajuda – em casa, na delegacia ou no hospital. Existem ainda casos em que a vítima é menor de idade e convive com o agressor dentro de casa ou que o agressor é o próprio companheiro.

Além de subnotificado, esse é um crime conhecido pela impunidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, dados do Ministério Público mostram que apenas 6% dos casos de estupro chegam à Justiça.

Além disso, o exame de corpo delito é indispensável. No entanto, nem sempre o estupro deixa provas (como hematomas, material genético ou testemunhas) que possam provar se a relação sexual foi consentida ou não. Isso porque estupro pode ser realizado sem que haja outras violências físicas, basta uma ameaça. As provas mais comuns são o testemunho da vítima e as informações colhidas na unidade de Saúde que realizou o primeiro atendimento.

O drama da mulher que sofreu um estupro também não para depois da violência. Quando a vítima busca justiça, muitas vezes ela é desencorajada pelas pessoas ao seu redor. Ela vai sofrer críticas, e sua palavra será questionada em frases como “você tem certeza que não quis?”, "você vai denunciar mesmo, não quer voltar para casa e pensar melhor?".  Quando uma pessoa é assaltada, por exemplo, quase nunca é questionada se ela foi vítima de um assalto ou roubo. Já no estupro é usual presumir que a vítima esteja mentindo. Tais fatores fazem com que a vítima se cale e sofra de maneira omissa por muito tempo, não denunciando o autor por medo ou por acreditar que ele não será punido.

O apoio do Estado no atendimento às vítimas também tem falhas. A conduta jurídica em muitos casos está impregnada de preconceitos e discriminações, especialmente em relação à mulher. Por exemplo, se uma prostituta afirmar que foi estuprada, a reputação sexual da vítima pode ser um motivo de preconceito em uma delegacia e o crime ser analisado a partir de uma questão moral, como se isso pudesse justificar a desqualificação da mulher que vive uma situação de violência.

No caso da adolescente que denunciou ter sido estuprada no Rio, ela relata os constrangimentos a que foi inicialmente submetida na delegacia. Os policiais buscavam descaracterizar o crime, tentando retirar-lhe a condição de vítima, como se ela tivesse provocado a situação por livre e espontânea vontade.

Nas redes sociais, internautas questionaram a adolescente carioca por ela usar drogas, ser menor de idade e ter um filho, conhecer traficantes, mostrar fotos sensuais em perfis da rede ou frequentar bailes funk. A vítima, além de ter sido estuprada, foi vista como mentirosa e ainda recebeu ameaças de morte dos internautas. O delegado da investigação inicial foi afastado e a nova delegada que cuidou do caso pôde comprovar o crime com base em imagens de vídeo em que a jovem, desacordada, tem o corpo manipulado pelos agressores.

Uma construção histórica

O Brasil tem uma herança cultural patriarcal. No período colonial a mulher ficava submissa a regras que limitavam seu modo de agir e se comportar. Algumas dessas funções eram definidas pelo grau de posição social, raça e hierarquia familiar. Prevalecia a busca pela conservação dos padrões da moral cristã e da honra. No entanto, havia uma clara hierarquia social. Por exemplo, a sociedade escravagista tolerava o estupro de negras escravas e índias por senhores de engenho.

No século 19, homens considerados “de bem” saiam impunes de casos judiciais de estupro (sedução, rapto e defloramento). No Código Civil de 1916, o homem era o chefe da família e a mulher era considerada “relativamente incapaz”. Até os anos 1970, a tese de “legítima defesa da honra” era admitida para inocentar quem assassinava a esposa. Nesse mesmo período, debatia-se no meio jurídico se o marido poderia ser sujeito ativo do crime de estupro contra sua esposa, uma vez que era dever dos cônjuges manter relações sexuais.

Internet: Privacidade versus segurança digital

Em fevereiro deste ano, uma batalha jurídica entre a empresa Apple e o FBI se tornou pública. Após várias semanas, o FBI conseguiu desbloquear o celular de um dos terroristas responsáveis pelo ataque que matou 14 pessoas na cidade San Bernardino (EUA) em dezembro de 2015.

O terrorista foi morto e o FBI dizia que informações no celular bloqueado poderiam ajudar a elucidar as investigações. Assim, pediu a Apple para desenvolver um novo software, uma espécie de “chave mestra” ou “supersenha” para burlar a criptografia do iPhone e acessar a memória contida no aparelho.

A Apple negou o pedido, alegando que isso estabeleceria um precedente perigoso. Se o software caísse em mãos erradas, colocaria em risco a segurança de todos os iPhones e a credibilidade da empresa. Em nota, a empresa declarou “a Apple acredita profundamente que cidadãos dos EUA e de outras partes do mundo merecem proteção aos seus dados, segurança e privacidade. Sacrificar um desses itens em detrimento de outro só coloca as pessoas e países em grande risco”. O posicionamento da Apple diante do caso foi apoiado por outras empresas de tecnologia, como Google, Facebook e Microsoft.

Após a negação da empresa, a questão foi parar na justiça, o que poderia demorar muito tempo. A solução não aconteceu dentro do judiciário – o governo americano dispensou a ajuda da Apple e conseguiu invadir o iPhone de outra forma, com o apoio de especialistas em segurança digital. O mecanismo de invasão não foi divulgado e o FBI retirou sua ação judicial. A Apple afirmou que vai investir ainda mais na segurança dos aparelhos.

Este caso inédito levantou uma ampla discussão sobre liberdades civis, segurança coletiva e a privacidade de dados digitais. Este é um duelo judicial, mas também uma questão ética. Se perguntarmos se o governo deve ter acesso aos nossos celulares, todos dizem “nem pensar”. Se a seguir perguntarmos se a polícia deve poder entrar no celular de um terrorista ou de uma pessoa morta, muitos dizem "claro que sim”.

A segurança de dados se tornou uma das grandes questões do nosso tempo, em que a democratização da tecnologia digital e o uso de redes sociais são crescentes. Além de informações pessoais como contas bancárias, Imposto de Renda, fotos íntimas e e-mails, senhas e dados criptografados protegem informações estratégicas de servidores e banco de dados de empresas, instituições de pesquisa, agências do governo, usinas de energia e bases militares.

Em 1999 Scott Mcneally, o CEO da Sun Microsystems, deu declarações polêmicas afirmando inexistir privacidade quanto aos dados pessoais armazenados em sistemas. No entanto, cada vez mais as pessoas esperam das empresas uma maior segurança da informação. Na Europa o direito à proteção dos dados pessoais é um direito fundamental da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. A lei se aplica a todos os membros da União Europeia.

O caso do analista de sistemas Edward Snowden foi emblemático na questão de segurança digital. Em 2013, o ex-funcionário da CIA divulgou para a imprensa uma série de documentos sigilosos da Agência de Segurança Nacional dos EUA que comprovaram atos de espionagem do governo norte-americano em diversos países. Algumas autoridades brasileiras, dentre elas a presidente da república, Dilma Rousseff, foram monitoradas pela NSA (Agência Nacional dos Estados Unidos).

Depois do escândalo revelado por Snowden, há hoje um maior consenso de que a privacidade digital faz parte dos direitos humanos e que os Estados devem ser impedidos de forçar as empresas de tecnologia a facilitar os acessos. Hoje diversos países sofrem pressão para criar ou reforçar leis que evitem o acesso ilegal de dados.

No Brasil, um caso judicial recente de acesso a dados foi o bloqueio do WhatsApp por ordem da Justiça. Em maio deste ano, a justiça do estado de Sergipe determinou que operadoras de telefonia realizassem o bloqueio do aplicativo de mensagem instantânea por 72 horas.

O bloqueio foi pedido porque o Facebook, dono do WhatsApp, não cumpriu uma decisão judicial anterior de compartilhar informações que subsidiariam uma investigação criminal sobre crime organizado e tráfico de drogas. Em novembro de 2015, o juiz Marcel Montalvão pediu que o Facebook informasse o nome dos usuários de uma conta no WhatsApp em que informações sobre drogas eram trocadas no aplicativo.

Em nota, o WhatsApp Brasil declarou que "esta decisão pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do nosso serviço para se comunicar, administrar os seus negócios e muito mais, para nos forçar a entregar informações que afirmamos repetidamente que nós não temos."

O não fornecimento de informações sobre usuários do aplicativo já havia resultado na prisão do presidente do Facebook para América Latina em março deste ano.  Não é a primeira vez que um tribunal decide pela suspensão do acesso ao aplicativo no Brasil. O bloqueio anterior ocorreu em dezembro de 2015, quando a Justiça de São Paulo ordenou que as empresas impedissem a conexão por 48 horas em represália ao WhatsApp ter se recusado a colaborar com uma investigação criminal. O aplicativo ficou inacessível por 12 horas e voltou a funcionar por decisão do Tribunal de Justiça de SP.

No Brasil, ainda não existe uma lei específica para proteção de dados pessoais. Uma das principais leis a regulamentar o direito digital é o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14), que entrou em vigor este mês e que busca regularizar direitos e garantias de usuários e empresas em relação ao uso da internet.

O Marco Civil da Internet prevê diversas interpretações para a questão da proteção de dados pessoais. A lei entende como uma das garantias de direitos do cidadão é o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado o direito à proteção e à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; o direito à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela internet e comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial e o não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre.

O princípio da liberdade de expressão também é outro pilar do Marco Civil, que entende que qualquer pessoa pode se expressar no meio digital. As aplicações e provedores de acesso não serão responsabilizados por postagens de seus usuários e as publicações só serão retiradas do ambiente online mediante a ordem judicial.

Em maio deste ano, o PR (Partido da República) ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com Ação Direta de Inconstitucionalidade para derrubar artigo do Marco Civil da Internet que daria abertura para a suspensão do funcionamento de aplicativos usados para troca de mensagens pela internet, como o WhatsApp.

Segundo o comando nacional do PR, a suspensão de aplicativos como WhatsApp traria prejuízo à população e a profissionais "antes de ser uma punição à empresa responsável, torna-se, em verdade, uma medida que penaliza a própria população em geral, que confia no funcionamento de tais serviços de comunicação para a dinâmica de seus relacionamentos pessoais e profissionais".

Um dos artigos do Marco Civil poderia permitir à justiça suspender aplicativos na internet, nos casos de descumprimento de decisão judicial para quebra de sigilo. Porém, o referido artigo trata de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet, ou seja, se refere à privacidade e guarda de dados.

Outra discussão no debate sobre privacidade na internet é a questão do direito ao “esquecimento digital”, uma garantia jurídica para solicitar o apagamento de dados pessoais disponíveis na internet, tais como informações sensíveis (questões políticas e econômicas, dados médicos, religião, sexualidade) e dados individuais (perfil de compra, circulação geográfica, imagens, salário etc).

Neste sentido, em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que a empresa Google e outros motores de busca devem remover de seus resultados de buscas os links que remetam para páginas com informações pessoais a respeito de cidadãos europeus que não quiserem ver seus nomes associados a fatos que eles próprios considerem inadequados, irrelevantes ou descontextualizados. Apesar disso, a regra não se aplica à imprensa, que tem o seu direito de liberdade garantido.

No Brasil ainda não existe uma legislação clara sobre o assunto. Em 2013, o debate teve início com o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, produzida através do CJF (Conselho da Justiça Federal). Baseado no princípio da dignidade humana, o texto determinou que dentre os direitos protegidos no que diz respeito à personalidade da pessoa humana na sociedade da informação, deve estar o direito de ser esquecido. Assim, o Estado estaria protegendo a intimidade e a vida privada das pessoas envolvidas. 

Eleição de Macri: Vitória reforça crise da esquerda na América do Sul?

Um fenômeno político tem chamado atenção na América do Sul: presidentes mais populares e governos de esquerda estão perdendo espaço para alas mais ao centro e conservadoras. A crise econômica seria um dos principais motivos. E a recente mudança na Argentina é exemplo desse cenário.

A política argentina mudou de rumo com a eleição do presidente Mauricio Macri em dezembro de 2015, após derrotar o candidato do governo, o peronista Daniel Scioli. Ele é considerado de perfil mais conservador que sua antecessora, Cristina Kirchner, de centro-esquerda.

A vitória de Macri pôs fim a 12 anos de governo kirchnerista. Cristina governou o país desde 2007 e é viúva do presidente Néstor Kirchner, presidente entre 2003 e 2007. O kirchnerismo é o termo que se refere ao período que começou com o mandato de Néstor Kirchner. O casal governou com estilo confrontativo e com um discurso considerado populista e de esquerda.

No começo da gestão de Néstor, ele combateu a dívida pública e o país registrou crescimento, com programas sociais voltados à classe trabalhadora e apoio a medidas de direitos humanos. Nos últimos quatro anos, no entanto, a economia caiu em recessão.

Após um calote em 2001, a Argentina praticamente não teve mais acesso ao crédito internacional. Em 2011, Cristina implementou uma política de controle cambial para frear a fuga de capitais. O resultado teve efeito contrário e os investidores sumiram. O peso argentino se desvalorizou e, hoje, os argentinos convivem com pelo menos três tipos de câmbio. Poupar em dólares para se defender da inflação e pensar na moeda americana na hora da compra e venda de imóveis são, por exemplo, hábitos tradicionais no país.

O presidente eleito Macri é considerado de perfil mais conservador e liberal em relação à economia. Com uma nova postura avessa às barreiras protecionistas, ele prometeu liberar o mercado de câmbios, estimular a iniciativa privada, diminuir a pobreza, atrair investimentos internacionais e fazer ajustes fiscais nas contas do Estado.

A economia argentina será a principal pedra no sapato do novo presidente. Outro desafio de Macri será estabelecer alianças no Congresso, onde o kirchnerismo tem maioria absoluta no Senado e é a primeira força na Câmara dos Deputados.

A inflação está galopante e chegou a 35% em fevereiro. Os preços dispararam nos últimos meses. Macri aumentou tarifas de serviços públicos, transporte, luz e gás e o mercado reajustou os preços dos alimentos e aluguéis. Houve um aumento de 300% na tarifa de eletricidade, colocando fim aos subsídios concedidos nos últimos 12 anos ao fornecimento de energia elétrica.

Um dos efeitos mais imediatos do ajuste econômico é a queda na renda e no poder de consumo dos mais pobres. Um estudo divulgado em março pelo Centro de Inovação dos Trabalhadores da Argentina mostrou que o poder aquisitivo dos 10% mais pobres do país caiu 23,8% desde dezembro de 2015. O cenário elevou as pressões sociais e a mobilização de protestos da população.

No entanto, os sinais da economia indicam que a Argentina está atraindo investimentos externos e aumentou suas exportações agrícolas. Por enquanto a aprovação do presidente está em 60%. O aumento do desemprego é a principal preocupação dos argentinos. A aposta do governo é que os investimentos possam aumentar os indicadores sociais.

Outros países
Na Venezuela, nas eleições legislativas de dezembro passado, o governo chavista de Nicolás Maduro foi derrotado. A oposição ganhou maioria nas eleições parlamentares e viu nisso o começo de uma mudança política no país em meio a uma crise. Foi a primeira vez que a oposição saiu vitoriosa no Parlamento desde que ele foi criado, no ano de 2000, após a dissolução do antigo Congresso.

A grave crise econômica (a inflação em 2015 foi de 180,9%) trouxe consequências amargas para a população venezuelana como apagões de energia e escassez de produtos, alimentos e remédios. A insatisfação popular cresce. Em janeiro e fevereiro, o Observatório Venezuelano de Conflitividade Social (OVCS) registrou 1.014 pequenos protestos em todo o país, além de 64 saques a estabelecimentos comerciais.

Maduro atribui à crise atual a queda dos preços do petróleo e a uma "guerra econômica" de empresários de direita para desestabilizar seu governo. Já a oposição culpa o modelo socialista bolivariano iniciado pelo já falecido ex-presidente Hugo Chávez em 1999.

Agora a oposição começou a coletar assinaturas para ativar um referendo revogatório contra seu mandato. Para revogar o mandato de Maduro é preciso que a votação seja feita até dezembro e o "sim" supere o número de votos que ele recebeu quando foi eleito em 2013: pouco mais de 7,5 milhões. Pesquisas independentes estimam que de 60% a 70% dos eleitores votariam contra o presidente. Se obtiver sucesso, novas eleições presidenciais poderiam ser convocadas.


Na Bolívia, o presidente Evo Morales teve este ano sua primeira derrota eleitoral desde sua chegada ao poder em 2006. Os bolivianos rejeitaram em referendo, realizado em fevereiro deste ano, a reforma constitucional promovida pelo presidente para poder se candidatar a um quarto mandato (2020-2025). Sua intenção era garantir seu projeto político para depois de 2020, quando termina seu atual mandato.

Comentários

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