Concentração de terras no Brasil

 


Levantamento do IBGE comprova o avanço do agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Para especialistas, o problema agrava a destruição ambiental e a violência no campo

Novo censo também constatou o aumento de 20% no uso de agrotóxicos em comparação com 2006 , o que equivale a 1,6 milhão propriedades utilizando pesticidas nas lavouras (Foto: Antonio Costa/Agência Brasil)

Maior percentual de área dedicada à agricultura nas mãos de menor número de proprietários de terras. Essa concentração de terras no Brasil, comprovada pelo Censo Agropecuário 2017, tem como consequência a redução das áreas ocupadas pela agricultura familiar e menor número de postos de trabalho nas pequenas propriedades.

Divulgado no final de outubro, o Censo Agropecuário também revela que o agronegócio brasileiro avança sobre o Norte e o Centro-Oeste do país, em biomas como o amazônico e o cerrado – o que colabora para o conflito por terras, para a violência no campo e para a destruição do meio ambiente, segundo estudiosos ouvidos pela Repórter Brasil. 

Em 2006, quando foi realizado o último Censo Agropecuário no país, as terras destinadas à atividade agropecuária ocupavam 39% do território nacional, com tamanho médio de 64 hectares por proprietário. Onze anos depois, 41% do território brasileiro é ocupado por terras agricultáveis, com tamanho médio de 69 hectares por dono.

“Entre os dois censos agropecuários, houve uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos da agricultura familiar, enquanto no agronegócio o crescimento foi de 35%”, afirma Júnior C. Dias, economista e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), com base nos números levantados pelo Censo Agropecuário. Ele destaca que, em termos de número de estabelecimentos agrícolas, a maior parte continua sendo da agricultura familiar (77%). Agora, ao se analisar pela extensão, a maioria das terras está nas mãos do agronegócio (77%).

Além da concentração de terras, o censo também comprova concentração de renda, segundo avaliação de Alexandre Arbex, pesquisador do Ipea. “De 2006 a 2017, a receita total dos estabelecimentos da agricultura familiar cresceu 16%, enquanto nos demais estabelecimentos este crescimento foi de 69%”.

Avanço nas fronteiras agrícolas

Os números do censo confirmam o avanço no agronegócio brasileiro em detrimento da agricultura familiar em todas as áreas do país, exceto no Nordeste, que tradicionalmente é dominado por pequenos produtores rurais. “Novas propriedades foram incorporadas na chamada fronteira agrícola, na região Norte e no Centro-Oeste”, afirmou Antônio Florido, responsável técnico do IBGE pelo Censo Agropecuário.

 

 

Levantamento do IBGE mostrou que houve avanço do agronegócio em detrimento da agricultura familiar (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

O problema deste avanço do agronegócio nas fronteiras agrícolas é que ele se dá em regiões de preservação ambiental ou em terras indígenas. “Um primeiro impacto que deve ser considerado é o ambiental, com a perda  da biodiversidade em função da supressão da vegetação nativa, além da possibilidade de alterações climáticas, como aumento da temperatura e mudanças no regime de chuvas”, diz Arbex.

O segundo impacto são conflitos fundiários, assassinatos e expulsão de famílias de suas terras, continua o pesquisador. “Esse avanço está associado à exploração ilegal de madeiras, grilagem e especulação imobiliária, cujo processo resulta no aumento de área desmatadas e seu uso posterior em pastagens e monocultivos”.

Um levantamento da Comissão Pastoral da Terra, divulgado este ano, mostra que apenas 117 dos 1.468 casos de assassinatos em conflitos de terra entre 1985 e 2018 foram avaliados por um juiz em alguma instância. Os conflitos, neste período, resultaram em 1.940 mortos.

De janeiro a agosto de 2019, segundo o acompanhamento da pastoral, o Brasil registrou 18 mortes em conflitos no campo. Entre os mortos, quatro eram líderes indígenas, sendo três do Amazonas e uma do Amapá.

Arbex também chama a atenção para o aumento da área de agronegócio por cooptação, quando o forasteiro usa sua influência para forçar os índios a praticarem a monocultura e a destruição das áreas de preservação, que causa impactos graves no meio ambiente. “Vem ocorrendo um processo de cooptação de comunidades indígenas por setores do agronegócio para implantação de monoculturas. Casos exemplares são os Parecis e os Xavantes (Mato Grosso)”.

 

Agricultura familiar

Enquanto o agronegócio avança e concentra maior renda, o campo perde postos de trabalho. Segundo o IBGE, houve redução de 1,4 milhão de vagas de trabalho no campo entre os dois censos — atualmente o Brasil possui 15,1 milhões de trabalhadores rurais. O maior impacto foi na agricultura familiar, com perda de 2,2 milhões de postos de trabalho por conta da concentração de terras e da mecanização no campo.

 

 

De 2006 a 2017, a receita total dos estabelecimentos da agricultura familiar cresceu 16%, enquanto nos demais estabelecimentos este aumento foi de 69% (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

“Um campo esvaziado tem como contraparte cidades cada vez mais cheias”, analisa Dias. Essa retração na agricultura familiar  — tanto em número de estabelecimentos quanto em postos de trabalho — é vista com preocupação não apenas por conta do êxodo rural, mas também porque é esta a atividade que garante diversidade de produção e colabora na preservação ambiental.

“A agricultura familiar é importante para a preservação dos mananciais, dos rios, das florestas e, principalmente, da diversidade de cultura do meio rural”, disse Aristides Veras dos Santos, presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).

O censo mostra que a agricultura familiar continua respondendo por parte importante da produção de alimentos: 48% do valor da produção de café e banana nas culturas permanentes. Já nas culturas temporárias, intercaladas com outros produtos, a agricultura familiar é responsável por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão.

“Somando a produção da agricultura familiar no Brasil, chega-se a R$ 107 bilhões ao ano, o que é mais que a economia total de pelo menos 12 estados”, avalia o economista Carlos Mário Guedes de Guedes, ex-presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e diretor do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.

Agrotóxicos

Outra constatação revelada pelo censo é o aumento no uso de agrotóxicos: atualmente, pelo menos 1,6 milhão de estabelecimentos agropecuários fazem uso de pesticidas em suas lavouras, número 20% maior do que em 2006. 

“O uso dos agrotóxicos cresceu consideravelmente, inclusive nas propriedades menores. A pressão para o uso desses produtos nas plantações aumentou. Além disso, mesmo quem não usa diretamente pode ser contaminado porque o veneno entra no lençol freático contaminado a água”, disse Aristides Veras dos Santos, presidente da Contag.

Há também um alerta sobre como esses produtos são aplicados: 16% dos produtores que utilizaram agrotóxicos não sabiam ler e escrever e, destes, 89% declararam não ter recebido orientação técnica. Dos que sabiam ler e escrever e utilizaram agrotóxicos, 70% possuíam, no máximo, o ensino fundamental e destes, apenas 31% declararam ter recebido orientação técnica para usar corretamente o produto.

Dados do DataSUS, que reúne informações da rede pública de saúde, mostram que, entre 2008 e 2017, o contato com pesticidas e agrotóxicos foi responsável direto por 7.267 mortes no Brasil.

 

O riscos do uso dos agrotóxicos aumenta com a redução dos alertas de perigo dos produtos.  Em julho, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou um novo padrão de na reclassificação das categorias dos produtos e nos rótulos. Algumas das mudanças incluem pesticidas com alto grau de toxicidade que terão menos alertas no rótulo, ou seja, perdem a tarja vermelha e a caveira que chamava atenção sobre riscos de morte ou outros perigos mesmo para agricultores de baixa escolaridade.

“Com isso, produtos que no ano passado carregavam o desenho da caveira, agora se tornarão invisíveis para crianças e pessoas de alfabetização incompleta”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, autor do “Dossiê Abrasco: Um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos à saúde” e vice-presidente local da Associação Brasileira de Agroecologia.  “Sem o símbolo, teriam que ler as letras miúdas do rótulo dizendo sobre os cuidados. Isso abre espaço para mais casos de intoxicação e mortes.”

 

Atividade

 

1.    Sobre a concentração fundiária no Brasil, assinale V para as proposições verdadeiras e F para as proposições falsas:
 
I. ( ) No Brasil, há uma grande quantidade de terras sob posse de um número reduzido de proprietários rurais.
II.( ) A concentração fundiária no Brasil é uma questão atual, visto que, no período colonial, as terras não se concentravam nas mãos de poucos proprietários.
III.( ) Os movimentos sociais existem no Brasil desde o período colonial, no qual alguns “rebeldes” não aceitavam a forma como as terras eram distribuídas.
IV.( ) O Estatuto da Terra foi elaborado durante o Regime Militar a fim de regulamentar a questão fundiária no país.
 
Assinale a alternativa correta:
(A)   FVFV
(B)   FVFF
(C)   VFFV
(D)   VVFF
(E)   FVVF

 

Alternativa correta: letra C

 

I.             Verdadeira: No Brasil, há uma grande quantidade de terras sob posse de um número reduzido de proprietários rurais.
II.            Falsa: a concentração fundiária do Brasil é uma questão antiga desde a sua colonização a Terra ficou concentrada nas mãos de uma minoria.
III.          Falsa:  os movimentos sociais não são do período colonial, e não são rebeldes em busca de terra e sim trabalhadores que perderam suas terras.
IV.          Verdadeira: O Estatuto da Terra foi elaborado durante o Regime Militar a fim de regulamentar a questão fundiária no país.
 
2.    (Enem-adaptado) Observe a charge:


 

Na charge, há uma crítica ao processo produtivo agrícola brasileiro relacionada ao

 

(A)  elevado preço das mercadorias no comércio.

(B) aumento da demanda por produtos naturais.

(C) crescimento da produção de alimentos.

(D) hábito de adquirir derivados industriais.

(E) uso de agrotóxicos nas plantações.

Alternativa correta: letra E

A charge refere-se ao consumo de alimentos que apresentam altas concentrações de agrotóxicos. Portanto, faz menção à produção agrícola brasileira que, por vezes, usa esse agroquímicos em excesso ou inadequadamente, podendo provocar danos à saúde.

 

3.    “Trabalhadores rurais ligados à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e à Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Fetraf) fazem uma manifestação na Esplanada dos Ministérios desde as 9h30 desta quarta-feira (20). Eles reivindicam a implementação da reforma agrária e de melhorias no campo. (…)

O secretário de formação e organização social da Contag, Jurassi Souto, afirmou que os trabalhadores rurais lutam também pela segurança no trabalho, pela geração de emprego no campo e a fiscalização nas empresas. “A reforma agrária no Brasil é fundamental para a geração de empregos e na venda e produção de alimentos”, disse. “Precisamos avançar e não retroceder.” G1 – Distrito Federal, 20 mai. 2015. Adaptado.

 

O argumento em favor da reforma agrária associa a sua implementação ao aumento da produção de alimentos por intermédio:

(A)  da ocupação de latifúndios não produtivos.

(B)  do controle do Estado sobre a produção agrícola.

(C)  da redução da produção para o mercado externo.

(D)  da obrigatoriedade em produzir grãos em terras doadas.

(E)  do combate ao desperdício em propriedades rurais.

 

Alternativa correta: letra A

4.    Entre os efeitos de uma eventual realização da reforma agrária no espaço geográfico brasileiro, podemos assinalar corretamente, exceto:

 

(A)   desconcentração das posses rurais.

(B)   contenção do êxodo rural.

(C)   expansão da agricultura familiar.

(D)   extinção dos minifúndios.

(E)    diversificação da produção.

Alternativa correta: letra D

 

5.    Observe o mapa a seguir:





A expansão da fronteira agrícola no Brasil se deu pela sucessão dos momentos

(A)   2, 3 e 1.

(B)   1, 3 e 2.

(C)   3, 1 e 2.

(D)   2, 1 e 3.

(E)   3, 2 e 1.

Alternativa correta: letra A

A região Sul, juntamente com quase todo o Sudeste e Nordeste até Ceará teve sua expansão agrícola na década de 1970. O Centro-Oeste (com algodão, milho, soja) teve sua expansão a partir da década de 1980. Já no Tocantins, leste da Bahia, Piauí e centro-sul do Maranhão a expansão agrícola ocorreu a partir da década de 1990 e início do século XXI.

 

6.    A fronteira agrícola é um termo criado para definir a região do país que “sofre” com o avanço das práticas agrícolas devido às devastações das florestas. A fronteira agrícola representa uma área que é “mais ou menos” definida pela expansão das atividades agropecuárias sobre o meio natural. Desta forma, nos últimos anos vem se destacando uma região brasileira que recebeu o acrônimo de “Matopiba”.

 

Sobre essa nova fronteira agrícola, podemos afirmar corretamente que:

 

     

(A) A região do “Matopiba” é constituída por 73 milhões de hectares distribuídos pelas cidades de Macapá (AP), Toledo (PR), Piripiri (PI) e Barreiras (BA), que tem produzido milhões de toneladas de grãos;

(B) É uma região ao norte de Rondônia com grandes espaços ociosos e com graves conflitos pela terra. Sem terem onde trabalhar, muitos agricultores ocupam estas terras abandonadas, onde constroem suas modestas casas e passam a cultivar o solo, ou seja, tornam-se posseiros. Os conflitos ocorrem com grande violência, pois os donos resolvem expulsar à força os ocupantes de suas terras e encontram resistência por parte dos posseiros;

(C) “Matopiba” é formada pela totalidade do estado do Tocantins e parcialmente pelos estados Maranhão, Piauí e Bahia e tem sido responsável pela produção de milhões de toneladas de algodão em pluma, soja, arroz e milho;

(D) Trata-se de uma região ocupada por trabalhadores volantes que estão ajudando a povoar o interior do Brasil. Apesar de ser uma fronteira agrícola, são incluídos na população urbana, pois geralmente estabelecem residência em pequenas cidades;

(E) Corresponde à região da fronteira agrícola com manchas que restaram da antiga vegetação de Mata, comuns no interior da Paraíba, mas que vem sofrendo desmatamento devido à agricultura comercial para exportação.

 

Alternativa correta: letra C

 

7.    A agricultura familiar ganha cada vez mais importância no mundo. O ano de 2014 foi considerado pela Organização das Nações Unidas como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF), fruto da iniciativa de movimentos sociais do campo com apoio de vários governos, inclusive do Brasil.

 

Considerando a agricultura familiar no Brasil, é correto afirmar que:

 

     

(A) A agricultura familiar é responsável pela maior parte da alimentação básica do dia a dia do brasileiro, mas como a produção brasileira de gêneros alimentícios não é suficiente, é necessário importar a maior parte dos produtos alimentícios consumidos no Brasil;

(B) A agricultura de base familiar tem se destacado principalmente pela exportação da maior parte dos produtos agropecuários das lavouras brasileiras;

(C) A maior parte das terras cultivadas no Brasil é ocupada pelas lavouras da agricultura familiar, devida sua importância na produção dos alimentos básicos;

(D) A agricultura familiar é uma forma de produção onde são os agricultores familiares que dirigem o processo produtivo, dando ênfase na diversificação e utilizando o trabalho familiar, eventualmente complementado pelo trabalho assalariado;

(E) Com a modernização da agricultura, os agricultores familiares não têm problemas com o cultivo do solo, com a produção de alimentos e com sua comercialização, competindo igualmente no mercado com os grandes produtores de grãos.

 

Alternativa correta: letra D

 

 

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